A dupla vida de Dadá. Moema Vilela. Guaratinguetá, SP: Penaluz, SP, p. 16-17.

 

Relógio

Por cinquenta anos, o marido foi seu despertador, até o dia em que nenhum dos dois acordou.

 

Rodrigueana

As almas eram gêmeas, portanto os corpos gostavam da mesma coisa: a esposa do irmão dela.

 

Disco rígido

Perdeu o computador, ganhou uma namorada – que a técnica podia prometer sigilo e profissionalismo na recuperação dos dados do HD, mas não indiferença frente àquelas fotos.

 

Uma vida completa

Sim, teve o filho, o livro, a árvore, mas também a estricnina.

 

 

Guernica. Moema Vilela. 1ª ed. Porto Alegre: Edições Udumbara, 2017.

 

Maria

O vento despenteou o lago, entrou dentro do cardigã vermelho. Correu junto com o casal que brincava no píer como dois filhotes, avançando e recuando, rolando no gramado. O casal tinha pés  como tábuas soltas, desequilibrados, até que ele a levantou nos braços e girou. Maria se sentiu ventar: ela, sorriu no batom vermelho dentes brancos e uma covinha. Tinha dezesseis anos.

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* Moema Vilela é escritora e jornalista, doutora em Letras pela PUCRS. Autora de Ter saudade era bom (Dublinense, 2014), finalista do prêmio Açorianos. Publicou contos, poesias e ensaios em antologias e revistas brasileiras. Contato: www.moemavilela.com