Os encontros de Agosto, 2018 em Recife e Porto Alegre falaram sobre O amor. Não somente o amor entre os amantes, mas, principalmente, o amor à escrita. Passeamos pelos encontros do primeiro semestre, revisamos conceitos, e acrescentamos o de carcaça de John Keats, quando o poeta se esvazia de si para se preencher com Poesia, Ficção, com Escrita Criativa. Encontramos essa carcaça na escrita de Orhan Pamuk, de Ian McEwan, e tantos outros artistas de diversas artes, teóricos de inúmeras áreas de conhecimento…
A partir dessas conexões do octógono dos Estudos em Escrita Criativa, fomos presenteados com textos que se encontram aqui neste post, com os processos criativos de Ana Maria César (Recife), Annie Müller e Luís Roberto Amabile (Porto Alegre), e outros textos que foram além do tempo e do tema do mês e que se encontram em posts individuais.
E nos preparamos para os encontros de Setembro, 2018 em Recife e Porto Alegre que falarão sobre O sonho. Desta vez teremos a honra e a alegria de receber Adriano Portela (Recife), Gisela Rodriguez e Fred Linardi (Porto Alegre) para falarem sobre suas criações artísticas, poéticas, literárias.
Que venha Setembro e uma boa leitura!
Patricia Gonçalves Tenório.
_______________________________________
Branco
André Souto
Recife, 11/08/2018, V Encontro de Escrita Criativa
Contato: asla56@outlook.com
A tela à sua frente. Branca. O cursor pisca. Oscila. Pronto a receber alguém. Alguma coisa, mesmo sem trama nem final.
A tela: insulto e desejo. Sozinho e sentindo a presença. Frio, branco: o olhar do inquisidor mudo.
Compreendeu “a luta mais vã”. Arremeteu contra os seus moinhos de vento.
No cursor inquieto, a pergunta tantas vezes repetida:
— E agora?
ESCRITA AMOROSA
BERNADETE BRUTO
Recife, 11 de Agosto de 2018
Contato: bernadete.bruto@gmail.com
Foi principalmente por amor que pegou o papel e escreveu o primeiro poema. Vieram outros depois, que rasgou por não achar bonito comparado com os da irmã. Aquela sim tinha o dom, a vez, a voz e todos os olhos e amor daquela grande família.
Ali do seu canto, percebeu, também queria ser amada, embora fosse apenas uma menina perante a adolescente cheia de vida. Foi à luta. Insistiu. Alguns olhares se voltaram e pousaram na sua pessoa miúda. A partir dali, ganhou seu espaço e um lugar na família.
Depois o ato de escrever surgiu como confissão de outros amores transitórios, doloridos ou desenganados. Muitas lágrimas pingando no papel, unidas à escrita desenfreada, foram despejadas e, por vezes, o ato tenha ficado meio desbotado.
Somente quando olhou para si e para o outro com amor, o ato de escrever foi tornando-se forte, sereno e eficaz. Hoje, escrever continua sendo um ato de amor, que chega impregnado do grande amor que ela tem por si e pelo outro.
Assim ela imagina que deva ser. É essa busca no seu ato. Quando isso acontecer, um dia, a sua escrita poderá ser conhecida pelo próprio ato que a moldou desde o princípio, podendo ser denominada de AMOROSA.
O PODER DA PALAVRA
Cilene Santos
Recife, 19/08/2018
Contato: cilenecaruaru2013@gmail.com
Pudesse ser
Um gesto,
Um olhar,
Uma miragem.
Mas foi uma palavra,
Guiada pelo vento
Que, num relance,
Invadiu-me a alma.
Alojando-se,
De lá fez morada.
Uniu-se aos sentimentos
Que lá já se encontravam.
E, me atormentando.
Suplicava liberdade,
Em forma de poesia.
Relutei. Expliquei.
Não era ainda chegada a
hora.
Não sou liberta.
Sou prisioneira da minha inspiração.
Não me pertence o momento
De a poesia vir à luz.
E a palavra, com rogos instantes,
Não respeitou o meu instante.
De súbito, a explosão.
Fui vencida!
O verbo se fez asas
E alçou voo
Rumo ao infinito
Mundo da escrita.
ODE A KEATS
ELBA LINS
Recife, 11/08/2018
Contato: elbalins@gmail.com
Me esvazio de mim
De minha existência sem graça
Quando vejo teus olhos de sombra
A me mostrar confusos caminhos
Por onde a alma transita
Quando de paixões
Quando de dores
Quando de mistérios
Que entrevejo através dos teus olhos.
Teus olhos de sombra
São lagos profundos
Onde mergulho
E me perco de mim mesmo.
São bosques escuros
Por onde avanço
Na certeza de me perder
Por onde caminho tresloucadamente
Buscando a vida ou a morte
Buscando enfim, a luz
Dos teus olhos mornos.
Gabi Vieira
Recife, 11/08/2018
Contato: gabi.vieira.araujo@gmail.com
Aos sete anos, lhe foi dado papel e lápis, não importa mais por quem. Na euforia de sua mente curiosa e de seu jeito espivitado, encarou a folha em branco com uma urgência que só cabe às crianças – e ouviu alguma coisa. Com espanto, percebeu vir daquele papel à sua frente. Um chamado, uma súplica, uma única palavra:
“Escreva”.
Tão simples, mas tão extraordinária. Tão curta, mas tão longínqua. Tão silenciosa, mas tão desesperada.
E então, o que lhe restava? Não podia apenas ignorar aquele pedido, que era de certa forma uma ordem, uma necessidade profunda cujas raízes já sentia brotar no próprio âmago. Era isso. Não tinha jeito.
Se não escrevesse, sufocaria.
Depois disso – depois de se entregar ao papel, às palavras e às ideias – não mais foi somente o que se era. Foi alegria, foi tristeza. Foi ódio, foi amor, e nem sempre soube descrever o que se era. Foi Anna, foi Julia, foi Stella, mas também foi Caio, Davi, Lucas. Foi tanto e ao mesmo tempo foi tão pouco. Seu corpo não era mais composto de água, sangue, carne, osso. Na pele, se imprimiam as paisagens que criara no fundo da mente e depois passara para o papel. Os cabelos esvoaçavam com o vento das risadas daquelas vidas que trouxera à existência, caminhando ao seu lado como velhas amigas. E nas veias, corriam as letras que pulsavam de seu coração, espalhando-se pelo corpo todo e dando-lhe a plena certeza de que ela própria era feita de palavras.
para um poema de amor
Márcia Maia
Recife, 11/08/2018
Contato: marciamaia@uol.com.br
acordei querendo escrever um poema de amor
um poema que de amor reluzisse
nessa manhã sem azul
que trouxesse de volta o bem-te-vi sumido
e reinventasse ninhos no pinheiro
e fantasmas amigos na varanda
vivos ou não
um poema que verdágua transbordasse
num misto de mar e capibaribe
de paralelepípedo e mangue
e que fizesse florir em pleno inverno os
baobás e todas as acácias
guardando os flamboyants para o verão
um poema que se negasse ao corriqueiro
eu te amo e dissesse do amar
com verso e rima
numa voz peculiar de gesto novo
que fosse efêmero como o bronze esverdeado
das estátuas e permanente como o brilho
que há nas bolas de sabão
que dissesse de mim sem me dizer
e alardeasse o querer de cada gente
dispensando os como os quando e todos os porquês
e que algum dia em um livro em um blogue
onde quer que alguém o visse
que se lhe abrisse um sorriso ao fim de o ler
Ana Paula Bardini
Porto Alegre, 15/08/2018
Contato: apbardini@terra.com.br
Encontrar palavras que se possa expressar
Sentimentos que insistem em não se mostrar
Não tem nada de pensado
Muito menos de ensaiado
Vem da alma no momento apropriado
Tomam forma, dando vida ao inanimado
E, aos poucos, a natureza antes dura
Se matiza e se mistura
Como cores em pintura
Na extrema delicadeza
De sua ímpar beleza
Tem-se então uma sinfonia
Sonhos e desejos em total harmonia
Palavras não se deve procurar
Pois são elas que se fazem encontrar
#APB
Nem sempre sou fala, às vezes sou escuta
E é quando escrevo que me sinto ouvida
Nem sempre sou clara, às vezes sou escura
E é quando escrevo que me revelo luz
Nem sempre sei quem sou, às vezes não sei
E é quando escrevo que me desvendo em mim
Nem sempre sou Ana, às vezes sou Paula
Mas sempre que escrevo sou sem-fim
Muitas em mim.
#APB
Escrever-se
Gabriela Guaragna
Porto Alegre, 15/08/2018
Contato: gabi_guaragna@hotmail.com
Antes mesmo de pousar no oco da boca, o beijo das palavras entregam-se aos pulmões e escorrem, feito água morna, pela ponta de cada dedo que segura uma letra. A caneta finca o papel como se fincasse a musculatura mais profunda e assina nas vísceras as vozes que não encontraram espaço na garganta. Escritor desagua-se sobre o papel e a escrita o escreve em si.
Gabriel Nascimento
Porto Alegre, 15/08/2018
Contato: gsabritto@yahoo.com.br
Quatro da manhã. Deveria estar exausto, mas meu corpo desconhece senso comum. O ronco de minha mãe desmata o silêncio como uma motoserra. Respiro fundo, sufocando o grito que quase escapa. Meu amigo ouve sem reclamar, como se a reclamação lhe desse identidade. Nunca questionei como um pedaço de papel é meu melhor amigo. Curioso como o inanimado nos dá identidade. Sem palavras, uma folha é somente isso. E sei que é o ato de impor a tinta no papel que me torna um escritor. Tudo bem. Prefiro um pulso dolorido do que um grito no escuro.
GESTAÇÃO
Luciana Beirão de Almeida
Porto Alegre, 15/08/2018
Contato: lubeirao@hotmail.com
A palavra,
Fecundando a página,
Gerando vida.
Nutrindo sonhos,
Acalentando sentimentos.
Vai se formando uma ideia,
Ponto por ponto,
Linha por linha.
A tinta pressiona o papel,
Até ficar tudo pronto
Para a derradeira expulsão!
LIGAÇÃO
Luciana Beirão de Almeida
Como letra que forma a palavra,
Sou única.
Como palavra que forma o texto,
Sou só.
Cada palavra,
Cada ser,
Cada um.
Formando um todo.
Um arco-íris cintilante e belo,
Numa ciranda multicolorida.
Iluminando,
Brilhando,
Unindo,
Sendo!
_______________________________________
Recife, 11 de Agosto de 2018
Porto Alegre, 15 de Agosto de 2018
Próximos encontros: