Maio, 2021

Capítulo 10 – A sublimação na arte

A nossa coluna Escrita Criativa em mim aproxima-se do final – no primeiro capítulo anuncio doze, fechando o ciclo dessa jornada pelas veredas que atravessei na criação literária desde 2004.

Mas não poderia deixar de falar da escrita como sublimação. No ensaio “Personagens psicopáticos no palco”, o pai da Psicanálise Sigmund Freud nos lembra da catarse – de maneira protegida, porque não corremos risco de nos machucar – nos espetáculos de teatro.

“O olhar participativo durante o espetáculo possibilita ao adulto o mesmo que a brincadeira possibilita à criança, cuja tocante expectativa pode ser igualmente tão satisfatória para o adulto”.[1]

Hamlet, na obra-prima homônima de William Shakespeare, cria toda uma representação teatral para incriminar o tio Cláudio pelo assassinato do pai. Jane Austen, em Orgulho e preconceito, realiza, através das personagens Elizabeth e Jane, o que não pode ser experienciado na própria vida real. Clarice Lispector afirma que está falando de dentro do túmulo quando termina de escrever A hora da estrela. Na dança, Pina Bausch convoca: “Dancem, dancem, senão estaremos perdidos”. Vincent Van Gogh pintava para aliviar a loucura que era para ele viver.

“Longe de me queixar, é justamente então que na vida artística, ainda que não seja a verdadeira, eu me sinto quase tão feliz quanto poderia estar no ideal da vida verdadeira.”[2]

Tantos outros e tantas outras comprovam que a arte ajuda à vida para o/a artista se superar, para se tornar uma pessoa melhor, para sublimar a dor por meio de um texto, uma tela, uma apresentação de dança ou de teatro.

Eu também preciso da arte para viver. Não para sobreviver – como estamos sobrevivendo nesses tempos sombrios de pandemia. A arte – a escrita, no meu caso – me dá esperança, respiro, posso sonhar, ver a vida cor-de-rosa, apesar da falta de cores da realidade.

Foi assim no meu segundo livro As joaninhas não mentem para sublimar a interdição do primeiro O major – eterno é o espírito; foi assim em Como se Ícaro falasse para sublimar o final do espetáculo teatral d’As joaninhas; em A menina do olho verde para sublimar o fracasso em uma seleção de doutorado – e que me redirecionou para o doutorado em Escrita Criativa da PUCRS…

“Foram derrubados os muros da cidade, o Muro Alto não existia mais. Plantaram jardins conjuntos, escreveram livros para uns aos outros ler. Era bom aquele começo, com a esperança no coração.”[3]

E, principalmente: o ato da leitura e o da escrita nos fazem sentir capazes, maiores, melhores, como se planássemos por sobre as nuvens do dia-a-dia, e enxergássemos, do alto, os obstáculos fazendo sentido e potencializando a criação em cada um, em cada uma de nós.

O olhar de cima que a sublimação na arte nos dá.

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* Coluna publicada mensalmente nos blogs www.patriciatenorio.com.br e www.veragora.com.br/tesaoliterario.  

** Escritora, vinte livros publicados, sendo um em formato vídeopodcast, mestre em Teoria da Literatura (UFPE) e doutora em Escrita Criativa (PUCRS). Contatos: grupodeestudos.escritacriativa@gmail.com e https://www.youtube.com/estudosemescritacriativa    

[1] FREUD, Sigmund. Personagens psicopáticos no palco. In Arte, literatura e os artistas. Tradução: Ernani Chaves. 1ª edição. 2ª re-impressão. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2018, p. 45.     

[2] VAN GOGH, Vincent. Cartas a Théo. Tradução: Pierre Ruprecht. 2ª edição. Porto Alegre: L&PM, 2007, p. 234 – (Coleção L&PM Pocket).     

[3] TENÓRIO, Patricia Gonçalves. A menina do olho verde. In 7 por 11. Recife: 2019, p. 351 – (Coleção Cinco Livros).