Onde estão Adão e Eva, mamãe?

(Irka Barrios)

Um único ato de criação tem o potencial de alimentar um continente.

(Clarissa Pinkola Estés)

Parece que eu adivinhava o murro no estômago. Parece que eu ficaria na dúvida se era suspense ou terror. Parece que o conceito de literatura fantástica de Tzvetan Todorov, ou mesmo o de inquietante de Sigmund Freud acertavam em cheio naquele livro de capa nublada, nuvens pesadas, ventos fortes, raios e trovões, feito a tempestade de 28 de janeiro de 2022 que me fez inaugurar esta coluna[5] em homenagem a livros escritos por mulheres da literatura contemporânea.

E parece que eu acertei. Se, na encruzilhada de conceitos, escolho o caminho da literatura fantástica, escuto Todorov explicar, em As estruturas narrativas, que o fantástico sempre deixa uma “hesitação” no espírito do leitor, sempre deixa o “vazio” por não ter a certeza se o acontecimento é sobrenatural ou obedece às leis naturais. Se escolho o outro caminho, descubro com Freud no texto “O inquietante” a dúvida paralisante do personagem Natanael no conto do escritor alemão E. T. A. Hoffmann, “O homem de areia”.

A começar pelo nome da autora. Irka Barrios, na verdade, é Bibiana Simionatto. Ou será ao contrário? A dúvida se instala. A personagem principal, Lauren, é uma adolescente que supostamente tem visões fantasmagóricas, claramente é uma deslocada entre os familiares, colegas de escola, os professores. E Irka/Bibiana vai construindo a trama de maneira circular, começando pela cena final, vamos acompanhando a história e o sofrimento dessa jovem que tanto se parece conosco, as inseguranças que cada um/a de nós possuímos, que a arte, principalmente a arte, nos ajuda a sublimar.

Se seguirmos as indicações de Clarissa Pinkola Estés no livro de Irka/Bibiana, podemos enxergar o arco da personagem se construindo sob nossos olhos: matar os pais da criação, mergulhar nos instintos mais selvagens, descobrir a voz própria, vir à tona para compartilhar com outros seres de luz, recomeçar sempre.      

Mas nossa personagem nos deixa em estado de extrema solidão. Lauren, ela mesma uma solitária, nos joga no centro da rejeição absoluta da cidadezinha Bosque Novo, uma multidão nos perseguindo, do início ao final do livro, e nos faz, de várias maneiras, a pergunta essencial, aquela que Rainer Maria Rilke proferiu ao jovem poeta: “Morreria, se lhe fosse vedado escrever?”

Eu e Lauren/Irka/Bibiana, sim.