No mês de novembro de 2021, navegamos pelas veredas do segundo escritor mineiro do nosso curso, de Cordisburgo para o mundo, João Guimarães Rosa, e com o escritor gaúcho Gustavo Melo Czekster.
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Primeira Aula do Módulo 11:
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Na primeira aula do módulo 11, iniciamos a “Travessia” de Milton Nascimento na obra icônica de João Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas, que condensa a vida inteira do autor, assim como nosso curso on-line, não somente “Os mundos de dentro” em 2021, mas desde o começo em 2020; constatamos a intergenericidade de Guimarães (poesia, conto, romance, ensaio) numa mesma obra e a inovação linguística, com as diversas técnicas de escrita criativa encontradas no livro; analisamos os diversos temas possíveis de Grande sertão; comparamos a técnica do refrão, encontrada em “A filosofia da composição”, de Edgar Allan Poe com “Viver é muito perigoso” e “O diabo na rua, no meio do redemoinho…” que Guimarães nos presenteia para não nos perdermos na narrativa caudalosa e intensificar o texto até atingirmos a catarse no final;
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Segunda Aula do Módulo 11:
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Na segunda aula do módulo, constatamos o fazer fazendo do livro com a presença do alterego de Guimarães no rapaz da cidade, que encontramos também em Amar, verbo intransitivo: idílio, de Mário de Andrade estudado no módulo 9; falamos mais uma vez sobre os diversos temas possíveis de Grande sertão; observamos o ziguezague da narrativa, semelhante às associações livres defendidas por Sigmund Freud; identificamos a semelhança com Hilda Hilst (módulo 8) nas crônicas e com Vinicius de Moraes (módulo 5) nas músicas; concordamos com a técnica de Assis Brasil de saber o fim de um romance para irmos aprendendo, durante a leitura, como o escritor construiu sua história; verificamos a circularidade do romance de Guimarães, tendo como símbolo máximo o infinito; visitamos virtualmente a casa museu de Guimarães em Cordisburgo, MG; apresentamos a teoria-pergunta de Gustavo Melo Czekster em A nota amarela: Devo ser o/a autor/a do romance que imaginei?; sugerimos filmes e exercício de desbloqueio.
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Terceira Aula do Módulo 10:
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E foi com imensa alegria que recebemos o advogado, escritor, doutor (PUCRS) e professor de Escrita Criativa Gustavo Melo Czekster na última quarta-feira 24/11/2021 na live sobre João Guimarães Rosa do nosso canal do YouTube. O próximo e último escritor a ser estudado no nosso curso é Mario Quintana e a escritora convidada é Gisela Rodriguez, além de um lançamento muito especial! Não percam!
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https://www.youtube.com/estudosemescritacriativa
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Exercícios de desbloqueio:
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Módulo 5 – Vinicius de Moraes:
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Luciana Beirão de Almeida
Contato: lubeirao@hotmail.com
VEM
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Vem ouvir Vinicius
Vem viver a vida.
Não a vida inventada,
Mas a vida de verdade.
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Vem ouvir Vinícius
Vem viver a vida.
Não a vida virtual,
Mas a vida visceral.
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Vem ouvir Vinícius,
Vem evitar o vazio.
Sem vacilar.
Vem!
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Módulo 7 – Cora Coralina:
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Diego Pereira
Contato: diegopereiranoleto@hotmail.com
As pequenas que cantam de lá
O homem só aumentou o volume. Bastou. A dois passos de chegar, fugiu-me um pouco de ar do peito, e me sentei no meio-fio ajustando os braços sobre o colo e as mãos em concha ao redor das orelhas. Era Tânia, e eu a ouvia numa voz bem calma e áspera, como o tipo de grama macia que você toca com os pés e sente a textura arranhando sua pele.
Minha mulher me deixou para trás, e, dez passos à frente, já bem perto do vendedor, voltou-se para me ver sentado. Levantou os braços. “Que foi?” Parou ao lado da barraca de vendas.
Mas eu ouvia Tânia – o som de sua voz vindo até mim – e, através dos meus poros, sua música extinguia por alguns segundos o mundo de cá, essa enorme avenida por onde outras pessoas caminhavam e corriam, suas sombras se projetando nas minhas costas e no chão; e extinguia também o céu do final da tarde, esse mar de cores do poente, e o meu cansaço.
Enxuguei o suor das têmporas e um pouco de água nas sobrancelhas, que cobriam e manchavam meus olhos, e desciam até o queixo e me davam um gosto na boca. Era salgado. Salgado como aquelas ondas que vinham rebentar na calçada, com uma pancada imensa espalhando gotas brilhosas de sal, suas ondas com espuma branca chegando até a areia da encosta.
Esqueci essa imagem do mar; esqueci onde estava. Qual foi a última vez? Tânia cantando numa tarde na casa dos meus pais.
Sempre o rádio naquela sintonia, e era o prelúdio para tudo que íamos fazer em casa, desde a manhã até à noite, como um alerta, para mim, de que já era dia – que eu via claro através das brechas da janela – e os primeiros raios de sol pareciam sempre melodias úmidas de orvalho de alguma música suave que saia pelo pequeno aparelho de rádio sob a máquina de lavar e que me brindavam rascantes pelo peito.
Mas não ouço mais nosso programa favorito. Mudei de cidade, mudei de casa duas vezes, pensava, pegando um pouco a carne engelhada da perna, e achei diferente da pele que me habitava. Mas essa lembrança de agora, esse som de bolero que se confunde com o respiro do mar, me diz um nome, numa pronúncia suave de todas as letras que me deram quando criança, e pelas sombras no chão eu revia os números douradas do nosso antigo endereço. Por que parei? Queria ouvir aquelas canções. Pus as mãos no chão, queria sentir o tremor do aparelho de som sobre a máquina ou a bancada da cozinha, o tremor suave nos talheres, e um pouco de chiado; quero sentir, porque cada nova nota é aquela surpresa do desagradável e a felicidade dos momentos em que meus pais podiam dançar juntos – como em sua juventude – ou uma melodia em que mamãe podia cantarolar, como sempre fazia aos sábados pela manhã.
Gosto de música porque eles cantavam para mim quando eu era criança. Lembrei os discos empilhados em suas capas colorias, seus passos de dança do bolero da Tânia Alves, um quadro de Chet Baker na parede como marcas e… uma linha do Jazz de um compositor branquelo. Meu pai dizia que aquele outro não cantava, e a voz do Cartola se arrastando, craquelada, o som da agulha raspando o disco. “O que você acha? Qual sua opinião?”, perguntava.
“Eu amo”, foi o que respondi.
“O quê?”, perguntou Ana. Ouviu de forma mais nítida só a última palavra. Escapou um sorriso de sua boca.
Eu amo essa distância. Talvez tivesse dito.
Ela tinha nas mãos uma garrafa de água. O homem da barraca olhava para nós. A música que vinha do seu rádio já era outra, também distante.
Levantei-me, olhei o aparelho do homem ali, um radinho pequeno e marrom, que me fez sorrir. Tomei sua mão e fomos juntos até o carro.
“Tudo bem com você?”
“Sim”, respondi. Sentia saudades de casa, só isso.
E nos distanciamos dali por um caminho longo e já há muito silencioso.
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Módulo 8 – Hilda Hilst:
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Márcia Regina Araújo
Contato: marcia.araujo@ifpi.edu.br
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O meu mundo, exausto, desistiu.
Quantos amores viram abortos forçados
Extraídos à violência de impedimentos fúteis?
Quanta vida é abandonada
Pela morte trágica
Linha habitual do não dever?
Quanto sonho é vilipendiado
Pela realidade cinza do cotidiano…
medíocre?!
Quantos corações são implodidos
Violentamente pelo dever de
Permanecer?
Existe morte e crueza no limite
Imposto pela realidade
(a que me coube!)
A fraqueza me revolta!
Eu choro
ela
Um lamento pelo compulsório
Caminho miserável de
Não viver e seguir…
indo!
Sem alma!
Precipício e abandono!
A minha vida me ama!
Mas o que eu faço dela
me odeia!
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Módulo 9 – Mário de Andrade:
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Elba Lins
Contato: elbalins@gmail.com
Exercício de desbloqueio relativo ao mês de setembro de 2021
Sinopse
Arqueólogo com especialização em espeleologia descobre túnel inexplorado que pode mudar a história dos deslocamentos humanos na face da Terra, mas ao mesmo tempo em que se aproxima do sonho de fazer história, vê exacerbado o medo de pequenos espaços.
Personagem
Tremendamente obstinado, não abre mão dos objetivos, não desanima facilmente, grande bagagem teórica, dando os primeiros passos nas pesquisas de campo. É bastante observador – qualidade indispensável no seu trabalho. Petrus é alto, forte e sempre se dedicou aos esportes radicais ao ar livre. Mas tem um problema que o persegue desde cedo e que ele insiste em manter em segredo: o medo de pequenos espaços.
Lista de Providências e Planejamento – Desenvolver o personagem, como são suas relações com os companheiros de trabalho, os amigos, as mulheres etc. Sua família que se resume ao pai, já que perdeu a mãe ao nascer.
A questão essencial do personagem.
O medo dos pequenos espaços e sua dificuldade em encarar o problema.
Lista de Providências e Planejamento –
Buscar informações sobre o tipo de fobia de Petrus.
O conflito da narrativa
O conflito vai surgir exatamente por conta da dificuldade em expressar o medo de pequenos espaços e este será o espaço quase que permanente dos seus próximos meses.
O enredo e a estrutura
O enredo tratará do caminho a ser percorrido por Petrus. Enquanto se empolga com os resultados do trabalho de exploração dos túneis, ele entra em contato com seu lado mais obscuro e vai descobrindo a própria história e as raízes dos seus medos.
A estrutura da narrativa deve ser fragmentada levando o leitor do presente ao passado numa exploração da vida de Petrus. Em paralelo este mesmo caminho leva à possível descoberta da história do ser humano na face da terra.
Lista de Providências e Planejamento – Mesmo sabendo tratar-se de ficção estudar sobre o assunto para dar maior credibilidade à história a ser inventada.
O enredo e a estrutura
Para trabalhar o enredo poderemos utilizar uma fundamentação baseada na jornada do herói. Sem, no entanto, ficar totalmente condicionada a este. A conclusão final pode ser o retorno com o elixir ou a danação total.
Vale salientar que ao mesmo tempo tentaremos abordar a escrita por Petrus do seu caderno de observações dos trabalhos que de forma não programada trará no seu conteúdo muitos aspectos psicológicos e comportamentais vivenciados e anotados por Petrus.
A focalização
A princípio haverá dois tipos de focalização:
– interna na 1ª pessoa, quando se tratar do tempo presente,
– externa na 3ª pessoa quando se tratar de flashback
O espaço
Lista de Providências e Planejamento –
Tipo de espaço de cenário a ser utilizado em cada cena.
O tempo
O tempo será marcado por cada etapa dos trabalhos de exploração de túneis não faz muito e também com todo o processo que levou ao nascimento de Petrus.
O estilo
O estilo será intermediário entre o essencial e o abundante (sem chegar a tanto), já que envolverá aspectos de comportamento humano.
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Módulo 10 – Carlos Drummond de Andrade:
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Bernadete Bruto
Contato: bernadete.bruto@gmail.com
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Carta a Carlos Drummond de Andrade
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Ilmo. Sr.
Carlos Drummond de Andrade
Praça do Centenário, 137, Centro –
Itabira/MG – CEP: 35900-023
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Prezado Drummond,
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Passei uma hora tentando escrever uma carta para você, Carlos! Mas os dedos não conseguem digitar a escrita desta mulher, que por traz do computador não é nada séria, essa mulher por traz do computador que é meio moleque, apesar da idade! Além disso, tem boas amigas e amigos dentro de seu coração. Uma senhora de coração aberto seria rima e solução neste vasto mundo. Desde o princípio gostei dessa possibilidade de um mundo vasto onde mais vasto seria meu coração. Que vibração boa entregaste para uma adolescente. A mulher não esqueceu, apesar de escrever esta carta meio atravessada, misto de exercício de escrita e de brincadeira.
Se no meio do caminho da escrita existe a pedra, eu penso que seja a pedra bruta que preciso lapidar como me ensinaram. Devo desbastar o texto deixando a pérola. A pedra do meio do caminho da vida, ficou lá como semente de textos catárticos e de alma lavada! Aquela que te escreve hoje sabe que a palavra montanhosa é galeria vertical varando o ferro para chegar ao âmago da escrita. O que dizer para o ilustre itabirano, oitenta por cento de ferro? Eu que sou mar aberto esparramado na costa da existência? Somente conjugando o verbo amar seu lado, querido poeta! Amar simplesmente amar e esquecer, amar e malamar. Amar, desamar, amar!
Passei uma hora tentando escrever essa carta para entender que o processo criativo leva também a energia de cada momento de seus poemas que inundam a minha vida inteira. Então, não serei uma poeta de um mundo caduco, aprendo contigo e com todos poetas que passam pela minha vida formando uma escrita camaleoa. De agora em diante, não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Gratidão, essa palavra-tudo!
Ciao!
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Bernadete Bruto
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Cilene Santos
Contato: cilenecaruaru2013@gmail.com
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INFÂNCIA
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Era criança. À tardinha, os irmãos sentávamos na soleira da porta. Havia, perto da casa, um sítio ou era uma fazenda. Não lembro. Lembro bem que, em todas as tardes, passava em nossa porta, um carro de bois, carregado de palmas, para a alimentação do gado. As rodas eram de madeira e arrastavam-se cansadas, pela terra. O seu rangido parecia um lamento. A força e o peso da carroça dilaceravam as pedrinhas. Não esqueci aquele chiado que lembrava o atrito da pedra mó, quando moíamos o milho. E os meus olhos acompanhavam a carroça até o final da rua, quando ela dobrava a esquina. Minha atenção voltava-se agora para o alto. Lá no horizonte, o sol se punha, dourando a tarde fresca de verão. Uma revoada de arribaçãs passava no céu, à procura de abrigo. Eram milhares e voavam juntas. Revolteavam em movimentos sincronizados, formando imagens estranhas, em seu bailado. Enormes, fantasmagóricas. Esquecia aquelas imagens e voltava-me para a noite, com um céu sertanejo respingado de estrelas. Pouco a pouco, escurecia. Hora de entrar para a ceia. Todos ao redor da mesa. Havia silêncio. Tínhamos medo de papai. Após a ceia, ficávamos na sala.
Sempre surgia alguém para ler um Cordel, à luz do candeeiro. Papai ou um vizinho fazia a leitura. As crianças ainda não frequentavam a escola. Eu ouvia atenta aquelas histórias. Umas alegres, outras bem tristes. Algumas me emocionavam, ao ponto de me fazerem chorar, como a história de um pintinho que se perdeu de sua mãe e sofreu muito, até reencontrá-la. Nas noites de Cordel, eu dormia e sonhava com personagens das histórias lidas. Sem saber, eu já estava entrando no maravilhoso mundo da palavra.
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Diego Pereira
São Luís, 30 de outubro, 2021
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Querida Dêva…
Prometi te escrever, não o fiz, e essas palavras estão já há anos-luz de distância. Por isso não sei por onde começar. Aqui chove, aquela garoa de fim de tarde, que invade a varanda e as janelas. É o vento forte, muito forte e às vezes gelado, tão diferente do nosso calor. Te falo da chuva porque na última vez em que fui até aí, uma torrencial me pegou na volta. Era aquela de agosto, a mesma que antecede a colheita das mangas. Lembra-te? A gente se encontrava na praça, no banco laranja, esperando o cimento da calçada esfriar, para nos sentar no piso e comermos as mangas doces de fiapo. E enquanto voltava para casa as gotas de chuva no vidro da janela fechada me trouxe você e teus olhos marejados, tua boca curva e trêmula, teu peito inquieto e tua mão que desenhava não sei quê para mim. Faz tanto tempo? Não, e para mim é como um gosto rápido no palato, ou cheiro que vem de uma brisa às cinco da tarde, e quase tua mão na minha, uns sons da Sarah Voughan que posso jurar ser tua voz.
Tenho saudades. Aqui ainda é tudo muito silêncio, de amor e de gente, de avenidas iluminadas pelos carros que exalam seu vapor. Acho que ainda estou nascendo por aqui, descobrindo cores e palavras. Não travei muitos amigos, não me sentei nos cafés. Mas quero, porque é preciso dar abraços ao abraço, e essa cidade me põe em seu colo, como se abrisse no peito uma brecha a me conter. Tudo sorri: tem casarões lindos, prédios históricos, lendas de rua e de água, e, ao final do dia, as luzes amarelas se acendem e a gente pensa estar em algum mês do século XIX ou num cenário de filme francês. E tem o pôr do sol. Essa cidade é o pôr do sol, e, em cada escadaria, nas dunas, no palácio do governo ou na enseada, entre barcos de pobres pescadores, é possível ver o pôr do sol, o mais lindo que tu poderias ver.
Eu o vejo sempre que posso – e quando quero – porque é tudo saudade. Então é comum que eu saia para andar um pouco no centro, e entre num sebo ou numa loja de bricabraque, e depois desço ao Palácio dos Leões de onde se pode disputar a beleza de mais um adeus. Queria que estivesses aqui, sei que tu a amaria também, como eu já a amo. Íamos à praia, ver o mar e os enormes cargueiros que à noite parecem vagalumes. É lindo. Vem, e assim a solidão se torna um fardo leve, até prazeroso e romântico. Ontem mesmo fui ver o mar, e via longe aqueles barcos cheios de gente. Pensei naqueles corações solitários e distantes, eles também, de muita coisa. Isso me reconfortou. Sim, deixou-me um pouco feliz, e menos sozinho ao reconhecê-los tão iguais a mim. Vem, se puderes – se quiseres – mas não tarda, porque a vida cansa e às vezes não abençoa, e eu sigo bem devagar na companhia dos que ainda esperam.
Diego Noleto
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Ilana Kaufman
Contato: ilakau7@gmail.com
Prezado Carlos Drummond de Andrade,
Espero encontrá-lo em paz. Escrevo esta carta com o intuito de contar um pouco sobre o meu fazer literário.
Um lápis, um caderno e o meu tão sonhado e nem sempre possível lugar em que haja silêncio.
Dois autores latino-americanos, Gabriel Garcia Marquez e Alejo Carpentier, me encantaram com suas histórias. Ao ler os seus livros, conseguia me transportar para dentro das narrativas e era sublime. Também são em dois os autores norte-americanos que me influenciaram, um modernista e realista, Ernest Hemingway e o outro, pós-modernista, Paul Auster.
Procuro, também, sempre que possível, ler estes autores na língua na qual escreveram. Me parece mais verdadeiro.
E o poeta que mais me tem acompanhado é Fernando Pessoa, com uma certa predileção pelo heterônimo Alberto Caieiro.
Termino esta carta com uma parte de um poema dele:
“Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.”
Cordiais saudações,
Ilana Kaufman
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Módulo 11 – João Guimarães Rosa:
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Bernadete Bruto
MARIA: A GUARDIÃ DE HISTÓRIAS
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Espie, moça! Vou ti contá uma istória passada num tempo não muito distante. Eu merma mi alembro da história que se passô aqui nu Récife. Arrudeio pelo juízo para retorná ao passado beim pertinho de mim nu fundo di meu coração. Conto nesse linguajá, apesar de sê pessoa estudada, porque faço o execicio di iscrevê como falu, pra contá mode vai sê esta istória. Pensano bem, num ixiste uma uniformidade na língua e sim, vários dizeres por lugá. Você que mi iscuta qui vô te explicano logo mais o desenrolá dessa istória. Agora que to falando daqui deste meu canto entendo que “da vida, assim como na missa, não se sabe um terço”… Intão vamo divagarinho porque num vô iscrevê no meu sabê di menina criada em Récife, qui istá aprendendo com se conta istórias no papel. Faço a tentativa entrano não pelos sertões e veredas de Minas Gerais e seu falá. Mais no falá da cidade qui moro e que tem aqui mermo muitas formas, dependeno du lugá. Procuro a linguage certa para iscrever do presente sobre o passado sobre a istória de Maria. Talveiz iscreva na forma aprendida na iscola, cum palavras daqui do Nordeste. Mais esse cumeçu a istoria vai sair meiu estabanada nesse dizê porque vem com todo gosto da fala daquelas muleres qui serviam nas casas e que contaru muitas istorias para todas nós, fique aqui pra sabê. Muleres que viviam pertinho da gente, mas moravam tão longi e sem as mermas condições da gente. Longi na vida e na linguage, que agora nos aproxima quando estou a dizê assim…” Para bom entendedor, meia palavra basta”. Maria era uma dessas muleres que moravam nos arrabaldes da cidade. Uma minina que vinha com sua mãe que trabalhava numa casa grande cheia de gente. Eita vida de opostos num mermo ispaço que nem mistura crianças! Quem vê quem? “Só alcançamos o valor da água depois que a fonte seca”. Mais eu vi Maria naquele santo dia. Num tempo que num se pensava nu futuro, nem nu passado. Ali era um tempo eterno quando estamo in fazeres ispeciais.
Maria era a filha de Guiomar, qui trabalhava como doméstica. Mulé de uma força danada mermo sendo tão magra e seca. Guiomá e sua linguage ininteligível… Maria era uma de seus três filhos. Era a filha do meio entre homins. Ela morava com seus pais num arrabalde desta cidade, longi de onde a mãe trabalhava. O bairro tinha um nome muito simpático, se chamava “Águas Compridas”. Ficava beim perto do bairro de Beberibe e era tambeim pertu di um outro de nome ainda mais curioso: “Linha do Tiro”! E de lá vinha Maria de Guiomar para o bairro do Espinheiro. Vinha com Guiomar pra brincá e intretê os filhos daquela casa, que eram tantas crianças. Tempo de brincá num era para todas crianças, hoje eu entendo. “O que não tem remédio, remediado está”. Fazê o que agora? Lamentar u distino… Fique de orelha in pé qui vou cumeçá do cumeço, professora-doutora. Volto pra esse lugá onde realembro Maria, na primeira vez qui dispertô minha atenção. Escute que ao cumeçá minha fala, me transporto para um terraço da casa grande e lá está Maria! Desdi ali dava pra vê que ela tinha algo beim ispecial. Maria uma menina cor de jambo do Pará, cheinha de corpo, na flô da idade! Longus cabelus pretus, dum cumpridu que escorria pelas costas parecendo um manto. Maria está sentada nu chão, num canto do longu terraço que circunda metade da casa grande. Está rodeada de crianças. Ao sentá no chão pra contá istórias, ganhava um brilho especial porque nela é que havia um baú cheiu di istórias de reis, princesas, de bruxas, de fadas. É daí que enxergo Maria. Lá está, di costas para meu recordá, sentada com crianças a sua volta. Seu longu cabelu prêtu cobrino o vestido branco. Como era alvo seu coração naqueles tempos de minina na casa da patroa de sua mãe! Naquele momento, Maria ainda ocupava um ispaço longi da cunzinha. Naquele tempo Maria era mais especial das mocinhas nu olhá das crianças da casa. Ela era a contadora di istórias. Pois fique comigo para sabê qui “Uma longa viagem começa por um passo”. Caminhe então nu meu contá.
PROPOSTA DO ROMANCE
Personagens: narradora, interlocutora e Maria.
A história se passa em Recife, onde se mistura presente e passado em várias épocas. Conta a trajetória de vida de Maria, mulher pobre que morava nos arrabaldes do Recife e que tinha o dom de contar histórias.
Maria mulher, moradora dos arrabaldes da cidade do Recife. Morena de olhos cheios de vida que em criança acompanha a mãe ao trabalho domestico, que depois de anos assume, para poder sustentar os filhos que teve de dois casamentos. Depois ela vai trabalhar como servente num hospital. Maria tem o dom de contar histórias, mas a falta de oportunidades a tantas mulheres pobres moradoras de arrabaldes das grandes cidades lhe obriga a ter um emprego que supra suas necessidades. A sua habilidade é suplantada em outros afazeres, mas ela, no fundo de seu coração, tem a dó de não ter conseguido repassar para ninguém as histórias que tão bem contava.
A narrativa é um exercício baseado no livro Grande sertão: veredas dessa forma, tem a narradora-personagem que relata a história de Maria para uma interlocutora (Professora de escrita criativa), também a narrativa se desenvolverá em um fluxo oral e da mesma forma, também não haverá capitulação. E a escrita vem, muitas vezes, inspirada pela linguagem falada, algumas de uso regional do Nordeste e traz alguns também alguns ditados populares, para amparar as reflexões sobre a existência.
Recife, 15 de novembro de 2021.
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Diego Pereira
Nossos círculos
Narrativa em 1ª Pessoa. Diego é fotógrafo e descobre, através das imagens que registra e admira, como as coisas são circulares em sua vida. Será o mesmo para todos? Talvez seja possível mudar meu próprio destino – e me redimir dos erros – sabendo que a vida dá sempre a mesma volta, como uma oportunidade que renasce a cada novo ciclo.
Mas e se vivêssemos no “Eterno retorno”? Se nunca fôssemos capazes de sair da nossa roda e da nossa rota?
Não percebemos o quanto os pequenos acontecimentos da vida passam por nós e não o desfrutamos completamente. Amamos, mas nunca achamos que seja um sentimento completo e de forma perfeita até uma outra pessoa surgir em nosso caminho e nos darmos conta de que aquele novo sentimento é único. Assim também é com nossos temores. Estamos sempre fugindo deles, mas que se renovam a cada novo ciclo e mudam de nome e mudam de casa, mas que estão ali para nos atormentar.
É quando percebo o ciclo da minha vida. É engraçado como sempre volto aos mesmos temas, como o mar, amor, hereditariedade e a fotografia. Mas só depois de um olhar profundo para mim mesmo, em meus acertos e em meus erros, percebo que as coisas sempre voltam.
Abro o álbum de infância e me vejo na foto com os meus pais, encostados na coluna em forma de leão, numa cidade onde fomos passar férias. Eu era um garoto ainda, oito anos talvez. Mas, coincidentemente, é a cidade onde moro hoje, depois de 25 anos. Isso me faz pensar no meu primeiro ensaio fotográfico, há dez anos, onde retrato o mar – uma de minhas maiores paixões – com pessoas entregues em um dia de sol. Hoje, posso desfrutar o mar a cada nova hora do dia; posso senti-lo em seus pés em dias de calor; posso ouvi-lo na solidão.
Em primeiro de março de 1962 nascia meu pai. Era o terceiro dos oitos filhos de uma família rural, do interior do estado do Maranhão. Muda-se para Teresina, capital do Piauí, no final da década de 70, indo atrás do sonho da cidade grande.
Cinquenta anos depois que ele sai do Maranhão – sua terra natal – eu faço a viagem de volta, e é como se visse reminiscências de meu pai em cada lugar, como se fosse ele, e não eu, a desfrutar as ruas e os caminhos. Estou dentro de um círculo, talvez reproduzindo seus anseios e medos, talvez vivendo uma vida que ele mesmo sonhou, mas que outro vai agora realizar.
Mas não é assim. Somos pessoas diferentes, com desejos diferentes, profissões também diferentes, o que nos faz ver o mundo também de formas quase opostas. Estamos apenas na mesma roda, e o ciclo me perturba, esse voltar sempre aos mesmos reflexos e sombras, e mesmo vendo outro caminho à frente – longe demais do que foi meu (ante)passado – eu quero saber onde o círculo me leva, e me pergunto: PARA ONDE SEMPRE VOLTAMOS? O que puder decifrar, como experiência, digo agora, porque posso compreender a mim e iniciar uma nova etapa sem rancor.
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Elenara Leitão
A guria que não gostava de Guimarães Rosa
(ou como não se ama o que não se conhece)
1. Introdução
Lhes conto como me aprocheguei no mundo dos Rosas. Joãozinho, que também era o Guimarães. o foi pela obra e graça de sua Ara. Deixa lhes dizer como foi essa trajetória de conhecimento, e estranhamento, entre os mundos de dentro e de fora nas veredas de vida e obra.
Gostava não do Guimarães, leitura posta goela abaixo em tempos de pouca liberdade. Mas eis que uma cabra pernambucana, meio vinda dos sertões, me desafia a entender mais da escrita do mineiro e me faz sair tentando entender quem era o homem atrás da obra. Dá para julgar e gostar de algo sem entender os processos de vida do criador? Lhes deixo com essa pulguinha enquanto narro, sem palavras pomposas, um pouco da minha própria trajetória e como cheguei a gostar, ou não, do Guimarães Rosa.
Assim começa a introdução que leva Violeta, guria do interior do RS, a revisitar sua infância, juventude e maturidade, passando por tempos de lutas políticas e transformações culturais nas cidades onde morou. E lutas internas de descobrimento e, por final, redescobrimentos onde os mundos de dentro e de fora se tocam e se harmonizam. E como os Rosas se encaixam na sua percepção de mundo, com a escrita de José Guimarães Rosa e a ação de Aracy de Carvalho Guimarães Rosa.
2. infância
“– A vida é boba. Depois é ruim. Depois, cansa. Depois, se vadia. Depois a gente quer alguma coisa que viu. Tem medo. Tem raiva do outro. Depois cansa. Depois a vida não é de verdade… Sendo que é formosa!” João Guimarães Rosa, da novela “Cara-de-Bronze”. em “No Urubuquaquá, no Pinhém”, no livro Corpo de Baile, 1965.
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Cidade/leituras/expectativas
Cidade e sua cultura
Violeta não nasceu na cidade dos primeiros anos. As duas, porém, se assemelhavam. Cidades pequenas, mas promissoras, cuja origem era de imigrantes. Alemães em sua maioria, mas também poloneses, judeus e russos. Traçar um rumo da arquitetura e cultura e de como isso influenciava a protagonista em suas expectativas de mundo. Complementar com fotos e pesquisas sobre a cidade. Mudança para a capital e vivências de outras escalas de cidade.
Leituras
As primeiras leituras, o mundo dos contos de fadas clássicos e a casa onde os livros ficavam ao alcance das mãos ávidas da pequena, que crescia entre acenos à liberdade e o medo das pessoas. Falar sobre os livros em voga e os clássicos que sua família lia em breves pinceladas. Mundo brasileiro surgindo nos livros de Monteiro Lobato, se contrapondo aos contos europeus a que estava acostumada.
Expectativas de mundo
Anos 60 e sua pré ebulição cultural em contraponto com as certezas conservadoras de suas aldeias, cidade, capital, país. A ditadura e o cerceamento da liberdade vistos pelos olhos da criança com seus pais preocupados com abastecimento e futuro. Estudantes sendo contidos em passeatas, sob seus olhos de criança, vendo da sacada de sua casa enquanto começa a adolescer e a se estranhar como mulher. E a sonhar com o amor.
3. juventude
“- Pior, pior… Começamos a olhar o medo…o medo grande e a pressa…O medo é uma pressa que vem de todos os lados, uma pressa sem caminho… É ruim ser boi de carro. É ruim viver perto dos homens… As coisas ruins são do homem: tristeza, fome, calor – tudo pensado é pior…” João Guimarães Rosa – ‘Sagarana’.
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Cidade/sagarana/obrigação
Cidade capital
Mudança dos mundos de capital de estado para capital do país. Violeta, adolescente, vive as inquietações do crescimento e suas angústias, ao mesmo tempo em que convive com os bastidores e benesses do poder militar que domina a cena nacional. Espaços arquitetônicos diferentes de tudo o que já viveu e pessoas de todos os estados do Brasil tornam a sua realidade mais ampla e a fazem amar mais o seu estado natal.
Sagarana
Primeiro contato com Guimarães Rosa. Imposto por listas de leitura. Violeta sente um estranhamento e repulsa pelo livro, pelo tema, consequentemente pelo autor. São tempos de rebeldia e certezas absurdas sobre amor e ódio. Não há espaço para a cultura do povo do interior no seu descobrimento dos mundos do conhecimento do exterior.
Obrigação
Violeta sente as dualidades do desejo e convenções. Rebela-se com as normas impostas, a censura. O futuro é ao mesmo tempo, assustador e fascinante. Vive entre as promessas de paixão e os namoros de conveniência.
4. maturidade
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“Amar é a gente querer se abraçar com um pássaro que voa.” – João Guimarães Rosa, Ave, palavra.
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Cidade/amor proibido/conhecimento
Cidade de volta
O mundo de fora de Violeta volta a se encontrar com o mundo de dentro em uma pandemia que transforma o mundo conhecido. Mora na sua velha e conhecida cidade. Vê o mundo de sua janela e observa. Seu país e o mundo envolto em velhas e conhecidas lutas de repressão.
Amor proibido
Já quase avó, Violeta passou por amores e guardou um em especial. É sobre ele que resolve escrever seu romance após RE descobrir Guimarães Rosa, não o escritor, mas o homem apaixonado que se encontra em seu segundo e definitivo amor, Aracy. Ele descreve Diadorim e Violeta pensa em Miguel, seu eterno amor proibido, encontro de tardes furtivas, casado que era com outra e que soube morrer na pandemia. Resolve enfim escrever e gritar seu nome, tantas vezes reprimido e omitido, enquanto aprende como Aracy não teve medo de fazer o que era certo e não o que era imposto pelas leis da época em que viveu. Coragens intensas de uma mulher que apenas deixou seu coração generoso falar mais alto que as convenções e políticas.
Conhecimento
Violeta parte em busca de si, em uma visita pelos seus mundos da infância e juventude, agora com o olhar da maturidade. E inicia seu romance falando de como o conhecimento do homem a levou a compreender a obra. Termina com sua abertura de asas para que voe sobre as cidades.