Para Aurélio Pinheiro
(In memoriam)
Dádiva
Chinelos de rabicho, óculos de arame, calças puídas, velho chapéu de couro sobre a barriga… vazia. Na rede do alpendre. Sozinho. Melhor: ele, o cachorro magro e suas pulgas.
Ao longe, anúncio da manhã. Na barra do dia, a força do verão, única dádiva na triste sina. Dele, do cão e… das pulgas.
***
Voo
Os olhos terrosos, em chama, a sonhar; pupilas voadoras. Pés rachados, cansados da terra, em desejo de novas aterrissagens, posse de campos, e céus, longínquos.
Asas utópicas, cativas dos novos horizontes.
De repente, a ousadia do pulo.
Em poucos segundos de voo, a visão telúrica da eternidade.
***
Interlúdio
Deu-me a paz mesquinha de meia hora. Na varanda da meia-noite.
Cuidei, então, de juntar os cacos de mim; reuni forças desconhecidas e mergulhei nas suas águas. Fundas, escuras, barrentas, tempestuosas… em pane de paixão.
Instantes depois, emerso das trevas, resfolegando desventuras, vi-me incredulamente vivo. Quiçá já morto de mim, silente na ribalta das ilusões.
Pouco depois, composto e refeito, suspirei por novo entreato, de remorso pela ressurreição.
Reflexão Domingueira CCLXXXVI
O nada do nada perguntou pela conta do infinito e verificou, na última prova dos noves, o resultado: noves fora nada. E mais nada.
Reflexão Domingueira CCLXXXVII
Se ele se propuser a ler todos os cânones literários, suspeita, nada mais surgirá da sua provinciana pena.
____________________________________________
* Publicado em O Mossoroense, Mossoró-RN, em 09/02/2014.
** Clauder Arcanjo é escritor, poeta, editor. Contato: clauderarcanjo@gmail.com