À moda de Xavier de Maistre

Porto Alegre, 16/05/2018

 

No meio da minha confortável cama (1), acordei. O despertador ainda não tinha tocado, podia ficar mais algum tempo. Mas o dia está recém no começo, um dia cheio de deliciosas aventuras (2), a me tentar longe da cama, e eu queria só dormir mais um pouco e… o despertador tocou: a aventura do cotidiano vai começar. Recuso-me a me levantar (3) – só mais uns 15 minutos, juro, depois levanto e corro para fechar os horários. Meu pai (4) entra no quarto: levanta, caro, tu vai te atrasar… Vamos, vamos, sai dessa cama, preguiçoso! Com muita dificuldade me levanto (5) e o frio da manhã de inverno me impele a voltar para cama, mas resisto: fico de pé e vou no banheiro. A água está fria, os dentes estão frios, a vida está fria (6): não quero sair. Vou ficar em casa. Mas, se eu não sair, a chance será perdida para sempre – sabe Deus o que pode me acontecer de bom hoje! Saio do quarto e vou até a cozinha (7) esquentar o leite, comer uma torrada, mas não tem leite, não tem pão (8), merda de vida (devia ter ficado na cama). A barriga ronca de fome. Vai ser uma manhã longa. Mas lembro que ontem comprei um pacote de bolachas recheadas e esqueci na mochila (9)! Estou salvo. Como a bolacha e espio o quarto (10). A cama parece tão convidativa… meu pai foi trabalhar, ele nunca saberá que fiquei em casa (11). Volto para cama, levando o pacote de bolachas junto: hoje eu me dou o dia de presente (12).

 

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* Texto escrito em 15 minutos no II Encontro dos Estudos em Escrita Criativa de Porto Alegre, temática A viagem, em 16/05/2018 e generosamente cedido pelo autor. Gustavo Melo Czekster utilizou os doze estágios da Jornada do Herói, que por sua vez foram tomados emprestados de Joseph Campbell por Christopher Vogler em A jornada do escritor: estruturas míticas para escritores, e são: 1. Mundo comum; 2. Chamado à aventura; 3. Recusa do chamado; 4. Encontro com o mentor; 5. Travessia do primeiro limiar; 6. Testes, aliados, inimigos; 7. Aproximação da caverna oculta; 8. Provação; 9. Recompensa (Apanhando a espada); 10. Caminho de volta; 11. Ressurreição; 12. Retorno com o elixir.

** Gustavo Melo Czekster (Porto Alegre/RS, 1976) cursou a Oficina de Criação Literária de Luiz Antonio de Assis Brasil em 2000 e a de Léa Masina em 2001. É advogado, mestre em Literatura Comparada pela UFRGS, e doutorando em Escrita Criativa pela PUCRS. Em 2011, lançou o livro de contos O homem despedaçado (Dublinense) e em março de 2017, o livro de contos Não há amanhã (Zouk), vencedor do Prêmio Açorianos 2018, categoria contos. Contato: gusczekster@gmail.com