Canção
Antiga como as árvores
é a minha canção,
com suas raízes tecidas pelo tempo,
desenhando estranhas tramas
de aéreos arabescos.
Às vezes, o vento passa.
Às vezes, pairam pássaros.
E a minha canção estremece,
pendente gota de orvalho.
Tão mudo o nascer
do meu cantar descalço!
Tão mudo o seu pisar
terrestre, tão alado!
Que eu ficarei cantando,
cantando só ficarei,
até que me venha o silêncio
com sua barca me levando
às paragens onde eu,
sem saber, sempre cantei.
Janelas
A palavra é um susto no escuro,
e eu sofro, sofro de tanta ternura
cada vez que me curvo
sobre as janelas da noite,
buscando formas para meu conteúdo.
Não preciso de relógios:
o tempo já me tem dentro de mim
e imprime em meu corpo suas feições.
Preciso é que alguém me fale
palavras que sejam humanas.
Preciso é que não me calem.
Porque se canto é para vestir
o tempo, que me desnuda,
se canto é para me despir
e entregar meu corpo à luta.
Deixe-me vir o silêncio, sem receios:
a pele contra a pele,
a palavra ainda não nascida,
o amargo da vida
abraçando-me a língua.
De dentro dele, uma parte de mim se revela,
como búzios que as ondas trazem,
como a luz entrando
no escuro das frestas.
Nostalgia
Estendo as mãos sobre o silêncio
buscando o eco de suas formas:
às vezes, uma luz tênue de estrela antiga,
às vezes, uma brisa que mal me toca.
Afundo os pés na terra fria
que a noite para mim prepara,
e é como contrair-se o peito
diante de sua velha casa.
Úmida e escura terra,
que palavras me trazes de tão longe
para afagar-me os sonhos, os cabelos,
meu corpo que canta a nostalgia
de suas próprias entranhas?
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* Contato: kalliane.amorim@hotmail.com