Cotidiana e virtual geometria. Márcia Maia. Manaus: Edições Muiraquitã, 2008
cinzas
fosse a venda o remédio imane à cura
que banisse a poesia da cidade
fosse o dia o negror que a emoldura
e imolando-a qual prenda à tempestade
mata a lenda que amor é amargura –
fantasias compostas de saudade
vã magia que em chita ousa ver renda
renda rota sem charme e sem magia
que em saudade colore as fantasias –
na amargura fugaz refaz-se a lenda
(tempestade finita – inútil prenda)
num cantar que emoldura o tolo dia
e à cidade que nega-se à poesia
diz a cura ao poeta – a morte é venda
soneto
quanto tempo resistimos sem tocar-nos
quanto tempo quantos dias quantas horas
se o desejo não desiste de aflorar-nos
vem e vara madrugadas rompe auroras
nessa mão pássaro breve a ensaiar-nos
velhos voos solitários sem demoras
sem que menbro toque vulva sem beijar-nos
(na tevê desfilam plânctons faunas floras)
e o antigo cheiro a sexo a inebriar-nos
que invadia o quarto a casa aonde moras
e rompendo o lacre frágil da janela
se estendia rua afora a delatar-nos
(em um tempo feito de antes não de agoras)
faz-se espelho que oculta e não revela
Onde a minha Rolleflex? Márcia Maia. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 2012.
em câmera lenta
o ar aquareliza-se em cinzentos
os verdes envelhecem de repente
o rubro do sobrado se anemiza
a tarde por inteiro empalidece
os pássaros mais cedo se recolhem
e a breve quietude prenuncia
o instante que desata a tempestade
epigrama
em cada verso de amor
há um naufrágio iminente
um tsunami descrente
seu imanente furor
e um campo de margaridas
o resto é tolice
(artifício de escrita)
acácia desflorida no verão
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* Márcia Maia é médica e se aventura nos caminhos da poesia. Publicou Espelhos (2003), segundo lugar no 3º Concurso Blocos de Poesia; Um Tolo Desejo de Azul (2003); Olhares/Miradas (2004); Em Queda Livre (2005) e Cotidiana e Virtual Geometria (2008), vencedor do Prêmio Violeta Branca Menescal (Manaus, 2007). Participa de coletâneas no Brasil e em Portugal. Seu livro Onde a Minha Rolleyflex?, ganhou o Prêmio Eugênio Coimbra (Recife, 2008). Faz parte de Dedo de moça – uma antologia das escritoras suicidas (São Paulo: Terracota Editora, 2009). Publicou ainda Sem Amém (pela Editora Moinho de Ventos, 2011). Edita os blogues Tábua de Marés e Mudança de Ventos e Itinerário. Participante dos Estudos em Escrita Criativa 2018 de Recife. Contato: marciamaia@uol.com.br