O NARRADOR
*
A constelação do escudo
me apareceu pequena e lábil.
Seu nome, desejado por razões
políticas, me fez pensar
numa sociedade de reis, príncipes
e presidentes que se impõem.
Justa é a causa. Johannes
Hevelius, perscrutador dos céus,
observa o universo, mas no dia
maldito tudo se incendeia.
O rei Sobieski, amante da ciência,
esbanja a mancheias.
Cálculos com esquadros e goniômetros
retribuem ao suserano generoso:
um pequeno amontoado de estrelas
eterniza seu nome.
Meus olhos estavam tentando
penetrar o céu escuro,
pensando nas razões
de uma existência infeliz, quando
me aparece uma estrela, Delta Scuti,
que chamei de Mizpa:
Sua luminosidade variava
no decorrer de poucas horas.
De maneira misteriosa lá chegou,
de reflexo, a luz da terra
E, lançado para trás no tempo,
o passado se fundiu com o presente
e o presente com o futuro. Me encontrei
na idade de bronze e o escudo
me fez retroceder a guerras de outros tempos,
não menos cruéis que as de hoje.
*
O VENTO TRANSTORNA AMANHECERES
*
O vento transtorna amanheceres
outonais. O eterno fluir
mescla os elementos do caos
original para oferecer magias
de juventudes parabólicas. Penetrar
o mistério do ser é um quebra-cabeças
simbólico, como as estações de uma Via Crucis
que compensam a ênfase da agonia
em projetos lânguidos. E a belissima
imagem de uma virgem, de cabelos
ondulados como a onda do mar
desaparece sob dardos de ignara
eficácia. A metamorfose é um espelho
universal: a borboleta se fecha
no casulo, o broto se transforma
em carvalho, o homem se funde
com a terra. E a cósmea alta,
da cabeça branca e das lígulas
ovais, faz murchar seus cálices
a confundi-los com o orvalho etéreo.
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* Poemas extraídos de La ragazza di Mizpa. A moça de Masfa. Tradução: Alexandru Solomon. Castiglione di Sicilia, Itália: Il Convivio Editore, 2021.