A casa revisitada
A casa onde nasci tinha um jeito risonho.
Tinha um quintal com mangueiras
E alguns pés de pitangas
e um pequeno jardim
de cravos e roseiras
e uma cisterna cheia de água de chuva
e um alpendre com redes sempre armadas.
Na frente, um portão velho que rangia
como se dissesse coisas tristes a quem por ela passava.
E dentro da casa onde nasci
Um corredor sem fim corria não sei para onde
E nem sei por que corria
o corredor sem fim da casa onde nasci
nem sei para onde.
A casa onde nasci era feia, era linda,
Era antiga, era nova.
Era a casa; era ela, era eu
E me era.
Era úmida e escura;
Mas sempre achei-a clara
E com o humano calor de um abraço amigo.
Úmido é o mundo
escuro é o mundo depois dela.
O mundo fora dela
é que é escuro e úmido.
A casa onde nasci tinha quartos e salas,
meu mundo, o impossível mundo de menino,
e havia retratos nas paredes,
horríveis retratos lindos
de gente que eu não conhecia,
mas de quem tinha saudade.
E havia, no centro, uma mesa de jantar
onde com meus irmãos, eu jogava baralho,
e uma cozinha onde minha mãe descascava cebolas
e, aproveitando, chorava. (…)
Não a vejo diversa, envelhecida.
É a mesma casa de antes.
E como ao repassar fotografias
de antigos álbuns amarelecidos,
eu é que me sinto envelhecido
e que me fiz diverso.
Ou que me fez diverso a vida.
A casa onde nasci guardou carinhosamente
o tempo nas janelas.
As mangueiras continuam
e os cravos e roseiras
para longe fugiram, foram embora
mas ainda os sinto em mim,
ainda os vejo em meus olhos.
Eu é que me sinto velho e diferente
olhando-a assim revisitada agora,
antiga e tão menina!
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* Poemas, Daniel Lima, Editora Cepe, Recife 2011
Fonte: Letras às Terças, Diário de Pernambuco, Luzilá Gonçalves Ferreira, 22/02/11
Belíssima composição. As coisas prosaicas assumem vida.
Agora, a casa da infância é sempre assim ou não?
Todas as casas tem feição tristonha
se ali não mais havemos
o que, em nós, era feliz e destemido empenho
Sonho habitado em vida
não pouco e como sempre,
o que se quer do tempo
permaneça um dia
eterno e pleno.
Se assim impossível
guarde-se como limbo
onde anjos zelam
fugas ao desconhecido.
Nossa, Virgínia, que poesia linda que você respondeu à poesia de Daniel Lima… Posso publicar no blog? E se você se interessar, posso cadastrá-la para receber as postagens. Obrigada pela participação, grande abraço da Patricia Tenório.
Saboroso é num caminhar visual sobre letras que, paralisadas, transportam-nos tão longe e tão dentro de nós, viver por segundos efêmeros mas intensos, a sensação do voltar para a casa..para a nossa casa onde vivemos toda esta poesia mas não sabíamos ainda interpretá-las nem apreendê-las!!!
Adoro, Pat, esta oportunidade que você me tem dado através da poesia, de juntar os caquinhos das tantas coisas que espalhamos por aí e ficaram à espera de serem recolhidas e guardadas…no coração!!Beijo grande!Míria
Tão querida Miria, adorei sua leitura e carinho… Privilégio é o meu em poder compartilhar e ser compartilhada… Beijos no seu coração da Patricia.
Patrícia,
Essa poesia me reportou aos tempos de infância e adolescência, fazendo lembrar de experiências muito saudosas, mas muito felizes.
Com muito carinho.
Ana do Carmelo.
Eu também senti isso, Ana! O Daniel é muito doce, muito suave e muito verdadeiro! E isto nos remete às nossas verdades, não é mesmo? Um abraço bem bem grande da Patricia.
A casa onde nasci
restou pouca.
Foi ao solo.
Restou em escombros em mim
e no lote vendido onde habitei.
A casa onde nasci não há
ou há distante na memória,
outrora.
Mas o poema,
fez-se de tempo e reencontro.
E me abriguei em suas palavras…
Obrigada, Marcos… ADORO este poema do Daniel Lima… Me encontro em suas paredes, me aconchego nos seus cantos, sinto-me de todos irmã… Um abraço bem grande!