RITUAL
Dentro do cárcere
Mais um dia riscado
Na ilha da alma
A manhã convexa
Expõe-se ao sistema solar
A vida aponta carências
Apronta na mesa a conversa
De desejos e abandonos
Tudo que vivi e passei
Aporta nesta manhã de domingo
(Inclusive o corpo)
Desarmo o cenário do sono
E entro em cena
Para reverter o sonho
Numa velha senha
ROMANCE DOS TELHADOS
Tardes crianças em torno à roda
E dois corações se namoram
Quando é hora de brincar
Sair de casa, nunca mais voltar
Telhados e paisagens de barro
Bairro todo para avistar
Noites de lua menina
Toma, menina, a lua
Que ninguém lá embaixo vai notar
Lábios, tremor, serenos
E léguas de andor na promessa
Que o mundo nunca vai acabar
Bolas, brinquedos à chuva
Adolescidos por cima das telhas
Embarcados de tanto se brincar
Estrelinha vivia nos jardins, eu lembro
Subiu para o céu feito ave
Que no mais longe da vista cabe
Hoje, nas telhas vermelhas sozinho
Chora um coração sem descer para rua
Pertinho da lua onde estrelinha foi amanhecer
CONTINENTES
Como dois continentes
Que se foram ao mar
Estamos compondo
auroras
ocasos
Pomos no colo estranhamente
Esta bagagem
(que somos)
(que é nossa vida –
A mesma que há décadas
Tece o fio quilométrico
E arma o Cm de saudade)
Enquanto o mar cumpre sua delícia
E as estrelas conduzem dilúvios
Fujo do sono e embebo em ondas
O país que me deixaste entre lábios
Um dia nos encontraremos
No oceano da vida
Daqui a anos
Quem sabe
Ainda neste mundo
__________________________
* Banco do Nordeste, Fortaleza, 2009.
** Frederico Régis é cearense. Escreve poemas deste o final dos anos 1980. Publicou livros feitos a mão e participou de antologias diversas. Em 2007 publicou Minutas do Caos, livro editado pelo Banco do Nordeste (Programa Cultura da Gente). Contato: arteletra@live.com