Para Bruno Tenório de Oliveira e Silva & Luiz Antonio de Assis Brasil.

17 de junho de 2023. Às vésperas de seu aniversário, Luiz Antonio de Assis Brasil lança, no Theatro São Pedro, em Porto Alegre, RS, o seu vigésimo romance, Leopold, com subtítulo “uma novela”.

Duas informações importantes na frase que abre esta breve resenha. A primeira, Assis Brasil nasceu no mesmo dia (21 de junho) que meu filho caçula Bruno, músico, assim como Assis Brasil é de espírito e foi de corpo na juventude na orquestra sinfônica de Porto Alegre – ainda falarei sobre essa coincidência mais adiante. A segunda, Assis Brasil afirma ser uma novela o romance – ao meu ver – de quase trezentas páginas que hoje, 17 de setembro de 2023, três meses após o lançamento, acabo de me encantar com a leitura.

Assis Brasil narra a história do pai de Wolfgang Amadeus Mozart, Leopold Mozart. Personagem desconhecido, ou melhor, conhecido como um dos vilões do gênio austríaco, pelo rigor como educou o filho no intuito de transformá-lo no maior músico de todos os tempos. Assis nos ensina brilhantemente – assim como nas aulas primorosas que ministra desde 1985 na sua famosa oficina literária – técnicas refinadíssimas de Escrita Criativa e que tentarei algumas selecionar.

A começar pela ideia de alternar a terceira com a primeira pessoa do singular na narrativa. Terceira pessoa do singular, para marcar os pontos de parada de uma diligência de Viena a Salzburg, onde Herr Leopold viaja na companhia de um casal desconhecido que dorme a viagem inteira. Primeira pessoa do singular, para colocar a narrativa na suposta fala de Leopold ao casal que dorme e os apelida de Herr e Frau Schläfer – dorminhoco em alemão.

De maneira aparentemente desorganizada dos pensamentos – não nos enganemos, Assis Brasil é um dos mais metódicos e disciplinados escritores que eu já li e conheci na minha vida –, Leopold vai narrando a história do filho que o superou, e, no vazio de sentido que a vida se encontra naquele momento, procura descobrir quando cometeu o erro que lhe provoca a angústia que sente, o ápice da carreira de um filho, que seria reconhecido futuramente como um dos maiores músicos de todos os tempos, e o declínio da carreira do pai.

Assis utiliza imagens primorosas para servirem de marcadores textuais e não nos perdermos na caudalosa narrativa, como por exemplo, o rinoceronte de Dürer, o labirinto de sal, ou mesmo os xingamentos cada vez mais crescentes à “Sua Graça”, o bispo para quem trabalha em Salzburg. Os longos parágrafos ritmados também são belíssimas transformações de música em literatura, essas duas artes irmãs que tão bem convivem na alma e no corpo de quem costumo nomear o papa da Escrita Criativa no Brasil.

Mas a técnica não para por aí. Assis nos ensina que “o importante em arte, não é perceber o esforço que demandou do artista, mas, sim, o que resulta disso” (p. 66). Ele desvela a estrutura da narrativa, aparentemente caótica, não começando pelo início, mas sempre pontuando com os marcadores que mencionei antes e nos ensinando – para quem escreve e lê a sua história – formas de se construir um texto magistral.

Ao ouvirmos/lermos frases como “não ficava bem” (p. 215), por exemplo, nos transportamos para as primeiras aulas que assistimos – uno quem me lê a mim mesma – no longínquo maio de 2006, quando assistíamos como ouvintes pela primeira vez na PUCRS por um mês às aulas da oficina literária que leva o seu nome, e é Assis quem fala no lugar de Leopold, e ele veste tão bem a pele do personagem, que não vejo o pai de Wolferl narrando a própria história, e sim o mestre que ensinou a mim – volto para a primeira pessoa do singular – e a tantos escritores do Brasil inteiro o amor e o cuidado com as palavras.

Mas por que uni Assis Brasil ao meu filho Bruno nesta breve resenha, além da data de aniversário ser a mesma? Porque hoje, no dia em que termino de ler Leopold: uma novela, de Luiz Antonio de Assis Brasil, meu filho caçula parte para a maior aventura de sua vida: estudar e tentar carreira musical além-mar, na Londres que Wolfgang Amadeus Mozart também visitou, e labutou e venceu, mesmo que de maneira lenta e tardia.    

E um livro mais uma vez me salva na angústia materna. Leopold/Assis nos ensinam que nosso papel como mãe, pai é o de servir de “pontes” para que nossos filhos alcancem a felicidade, ou ao menos, momentos de felicidade ao se realizarem como pessoas, profissionais, amantes de quem e do escolherem trilhar pela vida afora.

Os meus mais sinceros e imensos parabéns e gratidão para este pai do bem escrever que é Luiz Antonio de Assis Brasil e que sempre nos instigou a fazer a seguinte pergunta antes de escrever qualquer texto: “Este/a romance/novela/conto/resenha/poema é para mim?” Posso dizer com toda a certeza de vinte anos de escrita: este livro é o ápice da carreira de Assis Brasil, assim como esta resenha hoje salvou quem lhes escreve.

E isso é muito.