Grupo de Estudos em Escrita Criativa – Agosto, 2017
Patricia Gonçalves Tenório
Em 19 de Agosto de 2017, expliquei para as minhas alunas/companheiras de estudo o porquê de trazer os assuntos estudados no doutorado em Escrita Criativa da PUCRS para as nossas aulas/encontros: para compartilhar com elas o meu aprendizado, e, juntas, ampliarmos nossos caminhos de escritoras/poetisas.
Na Newsletter de Agosto, 2017 encontramos diversos diálogos. E foi, a partir do livro-diálogo Portugueses do Brasil & Brasileiros de Portugal (2016), da jornalista, romancista portuguesa, e licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Leonor Xavier (1943), que estou estudando para a disciplina Literatura Portuguesa, ministrada pelo Prof. Dr. Paulo Kralik, que iniciamos, eu e minhas alunas, a nossa aula.
Com dezenove entrevistas que remetem à época em que viveu no Brasil, Leonor nos brinda com depoimentos tais como os de Caetano Veloso, Carlos Drummond de Andrade, Fernanda Montenegro, Júlio Pomar, Marília Pêra, Ruth Escobar, sobre a relação de brasileiros com Portugal, de portugueses com o Brasil, e, principalmente, dos seus processos criativos. Trago ao centro um trecho do depoimento do filósofo, poeta e ensaísta George Agostinho Baptista da Silva (1906-1994), ou simplesmente Agostinho da Silva, nascido em Porto e falecido em Lisboa.
Agostinho fala dos dois mundos, não só Brasil e Portugal, mas do que poderemos aproximar do exercício que sugeri às minhas alunas e que apresentarei mais adiante.
“Espero que essa coisa de ver o mundo exista em todos os portugueses, pelo menos naqueles que não perderam a qualidade de ser português. Temos de pensar que há dois mundos para ver: o de fora e o de dentro, que é outro mundo interessante. E com uma complicaçãozinha, é que não sabemos se o mundo de fora brota do mundo de dentro, ou o contrário.” (DA SILVA apud XAVIER, (1988 in) 2016, p. 16)
Em 17 de Agosto de 2017, conheci a exposição Chão arejado, com livro de mesmo nome, do poeta Marcos Torres, com interpretações gráficas de Uilian Novaes. Marcos, através da artista plástica, professora da UFPE e minha orientadora de mestrado Maria do Carmo Nino, organizou um seminário no qual a escritora carioca Paloma Vidal, o professor da UFPB Marcelo Coutinho, e eu, conversávamos sobre amálgamas no processo criativo.
E foi a partir da imagem de capa de Chão arejado que minhas tão queridas alunas compuseram, a oito mãos, utilizando algo semelhante ao que estou apreendendo na outra disciplina da PUCRS, Literatura e Linguagem Digital (post “Quando Capitu chorou”), que propus à Bernadete, Elba, Luisa e Talita que criassem, em ordem alfabética, um texto (escolheram em forma de poesia) no nosso grupo de WhatsApp.
Então vamos à(s) leitura(s).
Referências bibliográficas
DA SILVA, Agostinho. In: Portugueses do Brasil e Brasileiros de Portugal. Alfragide, Portugal: Oficina do Livro, 2016.
TORRES, Marcos. Chão arejado. Interpretações gráficas de Uilian Novaes. Guaratinguetá, SP: Penalux, 2017.
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A fome que envergou meu corpo e reverbera no fundo.
Ai!!! Tenho Fome!
Uma fome imensa de vida, de luz, de ser…
(Bernadete Bruto, 19/08/17, 12h28, bernadete.bruto@gmail.com)
Queria voar como estes pássaros que esperam minha morte.
Queria fluir livre no céu azul
Encontrar minha tribo perdida
Minha paz
Mas meu sangue flui para esta terra seca
E estes pássaros não me deixam voar
Preciso lutar!
Preciso fugir!
Preciso viver!
(Elba Lins, 19/08/17, 12h31, elbalins@gmail.com)
E na efêmera existência,
Que o tempo impiedosamente devora,
A urgência dos sonhos gritam
Exigem espaço e luz
Tenho pressa!
Tenho sede de vida!
Tenho…
(Luisa Bérard, 19/08/17, 12h44, luisaberard@gmail.com)
Esquálidos. Eu. Os corvos. Não corvos, urubus.
Mais do que solidão, mais que um severino, mais do que Poe em nossas vistas.
Fica a pergunta irrepreendida: viver, imediatismo?
Tragédia escassa.
Somos sem conteúdos pra nos abastecer
Esquálidos. Eu.
A massa fina virando comida.
Ossos. Detritos.
Urubus.
A máquina pavorosa dos tempos decompostos.
O que somos.
O que temos.
O que viramos.
(Talita Bruto, 19/08/17, 12h49, talitabruto@gmail.com)
(Exercício do Grupo de Estudos em Escrita Criativa a partir da imagem extraída de NOVAES, 2017, p. 81)
E na página 83 o poeta Marcos Torres responde…
epiderme exposta
nunca ouvi dizer que urubu é sinônimo de cor de epiderme.
tenho muitas cores.
eu, fico aqui, paralisado e em choque, com minha cabeça nua.
vendo daqui esta terra em decomposição me enchendo de náusea.
diante deste céu calado e mouco
desloco-me em longos voos sobre as planícies frias,
em meio a este ar rarefeito e quente que sopra dum chão ardente.
um movimento fatigante.
enxergo tudo com esta minha visão panorâmica.
sou atraído pelo monte de carne amontoada sobre as valas.
nem sei o que aconteceu por aqui e ali.
nunca me dizem nada.
faço isso para deixar o chão arejado.