__________________________________
Fotografias para Imaginar, Gilberto Perin e outros.
Porto Alegre, RS: Multiarte, 2015.
__________________________________
“Toda foto tem múltiplos significados;
de fato ver algo na forma de uma foto
é enfrentar um objeto potencial de fascínio”.
Susan Sontag (1933-2004) em “Sobre Fotografia”
1
Numa fotografia, o essencial é aquilo que se vê através do olho do fotógrafo ou o que está fora desse olhar, aquilo que não aparece no enquadramento da câmera? Ou é o que imaginamos a partir daquilo que é apresentado? Ou são emoções e pensamentos que surgem a partir da fotografia apresentada?
Algumas dessas questões impulsionaram o critério de seleção das 16 imagens para a exposição “Fotografias para Imaginar”, de Gilberto Perin, apresentada em novembro de 2012, na Galeria Espaço IAB, em Porto Alegre (RS – Brasil).
As fotos feitas no Brasil e Exterior revelam espaços sem a presença humana, propondo que o limite documental da fotografia seja ultrapassado, rompendo a fronteira do visível, reconstruindo a realidade com outro olhar – além daquele esboçado e recortado pelo fotógrafo. Afinal, “a Fotografia é o aparecimento de eu próprio como o outro”, afirma Roland Barthes (1915-1980) em “A Câmara Clara”.
2
O projeto do livro “Fotografias para Imaginar”, com a incorporação do olhar de 16 artistas e 16 escritores, foi criado para ampliar a experiência do fotógrafo Gilberto Perin
Cada um expressou-se sob o estímulo da foto escolhida por ele. Os artistas criaram novas obras através de uma interferência/ apropriação/recriação/estímulo a partir das imagens. Cada fotografia escolhida por um escritor instigou a criação para um conto/poema/texto experimental que surgiu da imaginação dele. É isso que esse livro apresenta: a foto original; mais uma obra recriada a partir dela; e mais um texto a partir da impressão que ela causa em cada um deles.
3
Inspirado nessa experiência de transversalidade de conteúdos e com tantos talentos reunidos, o livro “Fotografias para Imaginar” tem também um sentido de prosseguimento com a experiência integrada entre fotografia, texto e obras visuais.
A partir dessa edição, financiada pelo Fumproarte da Secretaria da Cultura da Prefeitura de Porto Alegre, foi criado um projeto para professores trabalharem com alunos na faixa etária de 12 a 17 anos. Suzana Saldanha, atriz e Mestre em Teatro-Educação, sistematizou o projeto para que os professores apliquem nas escolas do ensino fundamental e médio uma oficina teórica-prática onde os participantes serão estimulados a criar a partir de fotos, textos e obras visuais desse livro. O objetivo é instigar a imaginação, a memória, o senso estético e crítico, além de promover a reflexão, discussão e trocas coletivas propiciando a formação de um cidadão consciente e crítico.
__________________________________
Porto Alegre, RS | Gilberto Perin
Universo Berta | Denis Siminovich
__________________________________
Circular | Cíntia Moscovich
Na cozinha,
o grande coração da casa
pulsa.
Mãos sábias batem a casca contra a quina,
palpitações redondas de gema e clara,
estremecimentos e estalidos da gordura,
a borda a se tornar franja de ouro moreno.
Há uma festa na frigideira:
ovo frito é um acontecimento.
O caldo grosso dos grãos,
de temperos desabridos,
celebração de cebolas e alhos,
louros e paios,
borbulhas espessas
em sacrifício contra a fome.
No prato esgotado, todas as artérias da casa latejam.
Então, já não a carne descolada dos ossos
virada em tenros fios de substância;
o arroz que veio de ontem
vira sobra num projeto
para a mesa de amanhã.
A escumadeira, aleijada de cabo,
se joga na pia,
desespero de suicídio
na lâmina da espuma.
Na louça suja, bate a esperança saciada da casa.
Os azulejos se perfilam, operantes.
Todos os canos aguardam o jorro da torneira,
redemoinho que se esvai num bafio rançoso
de gordura, cebola e o enjoo de sabão
ordinário.
Amanhã,
a cozinha será de novo coração e artéria,
e todas as fomes serão continuação previsível da vida.
Por agora,
cumpre a tarefa de lavar,
esfregar
e
limpar
para amanhã,
amanhã
e
amanhã
começar tudo de novo,
mais uma vez e
para sempre
esse desespero perpétuo-circular,
essa desgraça em que a boca do fim engole
o rabo
do começo.
__________________________________
Camaquã, RS | Gilberto Perin
After Dark | André Venzon
__________________________________
| Luiz Antonio de Assis Brasil
Nenhum vazio o é por inteiro. O vazio é povoado por reminiscências:
coisas ditas, sussurradas, exclamadas e, na maior parte das vezes,
que apenas percorreram o fio do pensamento. Por isso, todo vazio
conta uma história, mesmo o Vazio primordial, do qual tudo surgiu,
era uma história latente, que os séculos preencheram com galáxias e
deram origem a nós, os seres humanos.
O vazio se transforma em drama quando significa também silêncio. O
silêncio é uma das expressões mais versadas na cultura. A música
não existiria se não fosse o silêncio. Os monges retiram-se ao silêncio
penitencial, e mesmo as aves, no vazio da noite, impõem-se horas em
que seu canto fica no aguardo de um novo dia.
Numa sala vazia e silenciosa nos defrontamos com nossa própria
condição, sempre tão precária e incompleta, e é fácil o caminho da
angústia – exceto se um pormenor, por pequeno que seja, o vestígio
de alguém que ali esteve, nos faz reconstruir uma narrativa salvadora.
Então respiramos: não estamos sós.
__________________________________
* Contato: gilbertoperin@hotmail.com