introdução ou ode a manoel
Um senhor
com cabeça de nuvem
me ensinou
por meio de um dicionário criado em linguagem de criança
que esticando o ombro
eu contribuo para o orgasmo
Ensinou
por uma deslógica anti-iluminista
que sozinho e incompleto
está facilitada a minha infinitude
E então saí a desformar
Transformei uma costeleta
num riacho e podia dormir
ouvindo a água escorrer
Borboletei meus olhos
e em toda boca de noite
minha vista morria
porque havia enxergado mui dentro
– Todo poema deseja
ser semente ou córrego,
cantava pelo amanhecer
e depois do almoço
para desver melhor
– Para desver mais bem,
orientava o poeta –
para poesia é preciso que se seja infância
Um dia não mais encontrei o velhinho
a captar desperdícios e inocências.
Disseram que havia morrido.
Acho que saliva agora a liberdade plena.
O poeta virou tudo.
Não está mais para a crítica dos homens pensados.
Cumpriu a sina.
Desinventou tantas formas
que pôs bigodes na morte
e ficou a rir da cara dela.
a bombordo
Não faço questão de andar bem
ou de fazer sentido.
Quando nasci disseram que eu não faria sentido.
Colocaram-me um endireitador de postura
(como aqueles que põem nas árvores
que dão para nascer tortas)
mas eu de macio escorreguei pra torto.
Uma vez minha professora disse:
– Leonam, o que você costuma fazer?
Respondi: – Morrer e renascer.
E arrematou: – O que você não faz?
– Sentido.
ler é um bom mote para perder-se
Não quero nunca me achar em mim.
Meu desejo incontinenti
é de estar em meio ao trânsito.
Se eu deixar de me perder,
certamente façam-me a cova.
(Armei uma rede entre dois versos
e é onde descanso à tardinha).
Eis para mim o maior prazer não-físico.
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* Condutor de tempestades. Leonam Cunha. Mossoró, RN: Sarau das Letras, 2016.
** Contato: leonam_cunha@hotmail.com