À noite, sonhamos
Normalmente não me lembro de meus sonhos, mas este é recorrente. Estou de volta ao apartamento da Tijuca, num domingo à tardinha. Minha mulher veste as nossas filhas com suas roupas domingueiras para irmos participar da missa semanal. Elas estão indóceis, antevendo o final: a ida ao Bob’s onde cada uma dará cabo de um hambúrguer com coca cola.
Terminado os preparativos, todos vão à igreja. Após o final da cerimônia, uma delas me puxa pela mão: vamos, pai, tô com fome.
Voltando para casa dou a ordem: escovar os dentes e dormir. A seguir, ouço o chamado para contar uma história. Pela enésima vez falo de uma menina que não obedeceu à mãe e foi passear na floresta, onde apareceu um lobo e a perseguiu, sendo salva por um lenhador.
Terminado o relato da odisseia, desligo as luzes do quarto e beijo as três. Logo adormecem. O apartamento era bem simples, mas nele habitava o bem querer.
Acordo com um misto de tristeza e aceitação. A última delas casou há três anos, mas ainda não consegui processar bem esses fatos.
“Pai, vem rezar e contar uma história pra gente”. Como eu gostaria de ouvir isso de novo.
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* Crônica que dá nome ao livro: À noite, sonhamos: crônicas. Paulo Afonso Paiva. Olinda: Livro Rápido, 2020.
** Paulo Paiva foi Oficial do Corpo de Saúde da Marinha (R1), é membro da SOBRAMES-PE (Sociedade Brasileira de Médicos Escritores), e tem dez livros publicados, entre eles O Avestruz Voador (Contos, CEPE, 2007), Torre Malakoff (Crônicas, CEPE, 2014) e A Hora Neutra do Amanhecer (Crônicas, Livro Rápido, 2019). Contato: paivap50@gmail.com