a ave da madrugada
sustentou em canto claro
as rotas da travessia
deitou raízes se fez
profundidade do dia
corpo ferido sangrando
mais seu canto se fazia
e quando a alva da alva
já no céu comparecia
canto molhado de sangue
que da garganta escorria
quanto mais funda a ferida
mais seu canto se ouviria
a ave da madrugada
canta de noite e de dia
é sua maldição cantar
cantares de rebeldia
e aquele que ouvir seu canto
nunca mais se concilia
será sempre um encantado
da ave da madrugada
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* Extraído de Romanceiro de Bárbara, 2011
** Caetano Ximenes de Aragão nasceu em 24 de fevereiro de 1927, em Alcântaras, Ceará. Filho de Roberto e Edite Ximenes de Aragão, concluiu o curso Primário em Sobral. Na década de 40, seu pai o matriculou no Colégio Castelo Branco, em Fortaleza. Após a conclusão do Ginasial, e por não haver escola médica no Ceará, dirigiu-se a Salvador, Bahia, onde concluiu o Científico, ingressando – o mais jovem entre os colegas – na Faculdade de Medicina da Universidade Federal. Graduado em 1952, foi orador de sua turma. Clínico, regressou a Alcântaras onde passou a consultar, gratuitamente, durante um mês, para os pobres do município, logo depois exercendo o ofício em Tianguá. Médico de natureza extremamente humanista e coletiva, exerceu sua admirável carreira em Fortaleza no Hospital Geral (HGF) e Instituto José Frota. Talvez como compensação às dores que presenciou, confeccionou os versos que, em 1975, enfeixaram O Pastoreio da Nuvem e da Morte, seu primeiro livro, prefaciado pelo amigo Francisco Carvalho. Dividido entre a Medicina e a Literatura, participou, em 1979, da Revista Siriará, com o poema “Do Gênese”. Em 1980, viria o épico livro-poema Romanceiro de Bárbara, em que ainda mais amplamente apareciam os anseios de transformação social do Poeta, simpatizante confesso do Socialismo. Seguem-se Sangue de Palavra (1981), Canto Intemporal (1982) e Caetanias (1985). Foi, então, acometido de grave enfermidade que, em apenas dois meses, em 14 de julho de 1995, o fez desviver. Deixou inéditos o humorado Ilha dos Cornos e Canto pela Paz, ambas publicações póstumas de 1996 e 2004, respectivamente.