Convergências
Patricia Tenório
29/09/2010
O interessante de uma viagem é visitar o que não se esperava ver, buscar o inesperado. Não é a toa que os artistas assim o clamam com todas as forças, com todas as vísceras, na tentativa de recriar o olhar.
“Não é a “pessoa” do outro que me é necessária, é o espaço: a possibilidade de uma dialética do desejo, de uma previsão do desfrute: que os dados não sejam lançados, que haja um jogo” (O prazer do texto, Roland Barthes).
Quero olhar o novo, olhar de criança, desvirginando o mundo que me cerca, amanhecendo o desejo que em mim pulsa.
httpv://www.youtube.com/watch?v=VY7d7QXOSGY
Olhos fechados([1])
“Me esvazio para entender a totalidade. Fecho os olhos, quero me cegar um pouco” (Shima, artista plástico em Olhares cruzados, Diário de Pernambuco, Viver, 29 de Setembro de 2010)
Cabe antecipar o desejo, aproximar o antes, alicerçar o conhecimento?
“O seu (de Leonardo da Vinci) insaciável desejo de tudo compreender em seu redor e de pesquisar com atitude de fria superioridade o segredo mais profundo de toda perfeição condenou sua obra a permanecer para sempre inacabada” (Edmondo Solmi em Leonardo da Vinci – uma lembrança da sua infância, de Sigmund Freud).
Será que o que leio é o que leio, ou um reflexo do que os outros leram para mim? Onde encontro a palavra original, aquela que está por trás do texto, por trás do olhar?
“Em Leonardo, o olho humano é o intermediário entre a natureza e o intelecto. Ele manipula o espaço, alinha os olhos da personagem com o horizonte, colocando-nos assim diante da retradada (“Mona Lisa”), anulando o espaço entre o espectador e a obra” (Letícia Martins de Andrade, O tempo do renascimento, Vol. 4 – 1500 a 1520).
Parece-me o além do espaço, além do corpo que me redime às quatro paredes do ser, angustiado ser, onde tento ultrapassar as barreiras da minha humanidade.
“Sabemos, de fato, que a lei é espiritual, mas eu carnal, vendido ao pecado. Não entendo absolutamente o que faço: pois não faço o que quero; faço o que não quero” (São Paulo em Romanos 7, 14-15)
São Paulo – D´Agostinho (CD com Carlos Ferrera & Karynna Spinelli)
Quando tua luz aplaca meus sentidos
Sinto despir-me
De máscaras e vaidades
Podes ver-me por inteiro
Com falhas e virtudes
E gosto do que vejo
Vejo alguém fraco
Que se transforma com o teu poder
Que escala montanhas
De ódio
Rancor
E alcança o ápice do perdão
Tu és minha bandeira
Que empunho
E sou mais forte
Mais tu
Menos a mim
Abandono e ultrapasso
A vida que me destes
(São Paulo, em D´Agostinho, de Patricia Tenório)
(1) “Olhos fechados” é a adaptação de um conto de mesmo nome do livro “Diálogos” de Patricia Tenório. Com Ísis Agra e Thiago França, procurei retratar a dor do mundo e o lúdico da Poesia. Produção e figurino Jorge Féo. Texto, edição e direção Patricia Tenório.