No sétimo módulo dos Estudos em
Escrita Criativa On-line apresentamos o conceito do mise-en-abîme,
inaugurado por André Gide, que, por sua vez, tomou emprestado da heráldica, “em
que a reprodução de um escudo ad infinitum, um dentro do outro, gera a
sensação de espelhamento que encontramos em dois espelhos um diante do outro,
ou na impressão de ‘não acabar jamais’ de se extrair” das mamuskas.
Quando se termina a última página
de Por que ler os clássicos, do escritor italiano, apesar de nascido em
Santiago de las Vegas, Cuba, Italo Calvino (1923-1985), sente-se um mesmo
estranhamento. Ou melhor, sente-se uma vertigem que nos acompanha antes,
durante e depois da leitura do livro, assim como nos acompanha na leitura de
certos livros bons.
Vem-nos à mente duas conexões. A
primeira é com o livro já mencionado nos nossos Estudos, Mimesis: a
representação da realidade na literatura ocidental, do filólogo alemão, nascido
em Berlim, Erich Auerbach (1892-1957). A segunda tem a ver com um livro do
próprio Calvino, Se um viajante numa noite de inverno.
Quando abrimos a primeira página de Se um viajante numa noite de inverno, do escritor “italiano”, “apesar de nascido em Cuba”, Italo Calvino, ficamos tontos, presos em uma vertigem: o autor inicia afirmando que estamos começando “a ler o novo romance de Italo Calvino, Se um viajante numa noite de inverno”…
Feito em um jogo de espelhos,
Calvino numera os doze capítulos que serão o fio condutor da narrativa, e
intitula os seguintes com os nomes dos romances que vão sendo desfiados, que
vão sendo apontados de um romance para o outro, sem contudo passar do primeiro
capítulo.
E viajamos uma última vez no
tempo e no espaço e encontramos a ubiquidade entre o medo e o desejo da viagem
no quarto romance do diretor, cofundador da escola de escrita criativa Scuola
Holden (Holden, de O apanhador no campo de centeio), escritor, nascido em
Turim, Itália, Alessandro Baricco (1958): Seda.
Finalizamos o oitavo módulo e os
Estudos em Escrita Criativa On-line 2020 com um exercício de desbloqueio a
partir dos autores elencados, a sugestão de filmes relacionados com os
italianos e a Escrita Criativa, e nos perguntamos: O que encontraremos a
seguir? Que viagem empreenderemos em 2021? Que escritores nos guiarão?
Continuem comigo, conosco, nessa busca sem fim por uma voz própria, uma
expressão que abarque a imensidão de eternidade que existe dentro de nós…
Como no Gênesis, no princípio de tudo era a escuridão do pensamento. Um silêncio profundo habitava o espírito das ideias. As palavras surgiam partidas, jogadas na angústia do tempo marcado que não aguarda a concatenação do pensamento. Depois, já aparece o conteúdo no jardim florido, um pomar de ideias que se tornou aquele lugar semeado por diversas nacionalidades de expressões. Um coral afinadíssimo de palavras ensaiando interessantes acordes. Hoje, já se colhe alguns bons frutos. Há luz na escuridão.
Também no princípio era o verbo, a fagulha inicial da criação, timidamente escondida, a receber um abano mensal transformando-se em fornalha criativa. Era a história prefigurada nos apóstolos da escrita alimentando o fogo criativo, agora semente germinada. Assim ela pensou ao desligar o áudio e ligar o cronômetro no celular. Esboçar um agradecimento por todo esse tempo, neste dia, escrever uma resposta à professora, caprichando para fazer sentido com o que foi ensinado, para em seguida digitar em letra bem bonita, porque, assim corrida no papel, a grafia está feia e é ininteligível.
Agora, no final da viagem, aparece uma escrita que se apropria de uma imagem para descrever o agradecimento, que surge em um avião no aeroporto da Itália aterrissando seu carinho. Na pista, como no filme Dio comme ti amo, em que Gigliola Cinquenti encontra com o ser amado, a aprendiz oferece um fraternal abraço, em gratidão após tantas viagens realizadas, mesmo neste espaço limitado, mesmo em tempos tão reclusos. E para encerrar a história dentro da história, retorna à Bíblia, recolhendo palavras do Evangelho segundo São Mateus: “Vós sois o sal da terra…” (…), para oferecer a flor da escrita à professora, aquela que traz luz ao mundo dos alunos com seu amor às letras.
No dia que ele decidiu tirar a vida
não choveu na cidade. Há dias, como é normal no mês de junho, chuvas fortes
desciam em Alagoinha. Época de colheita de milho e feijão verde, festas dos
santos mais devotados do Nordeste, como São Pedro, nome pelo qual foi batizado
por sua mãe, uma devotada católica.
No dia que ele decidiu tirar a vida,
como por essas coincidências do destino, a filha ligou para o orelhão da
esquina de onde morava. Fazia tempo que não se falavam.
– Alô, pai, benção!
– Deus te abençoe, minha filha –
respondeu a Marta.
– Como o senhor vai?
– Bem, com a graça de Deus.
– Pai, quero voltar aí no final
do ano. Rever o senhor, os amigos, tia Júlia.
– Tudo bem, minha filha. Mas
minha saúde não anda muito boa. Não sei se estarei vivo até dezembro – disse,
rindo em seguida.
Falaram mais algumas coisas. A
ligação não durou mais de dois minutos. Ela não citou como estava o irmão,
João, que havia acabado de tornar-se pai pela segunda vez.
Desde que Maria, sua esposa
morreu, há dez anos, que os dois únicos filhos partiram para o Rio de Janeiro,
levando apenas poucas coisas nas costas, e querendo deixar os traumas da
bebedeira do pai para trás. Marta havia acordado naquele dia com algum
pressentimento. Ligou, antes de falar com o pai, para João. Ouviu do irmão o
relato da noite insone e dos pesadelos que teve nos poucos momentos que
conseguiu pregar os olhos. Mas ele não queria saber do pai.
Ele não bebeu no dia que decidiu
tirar a vida. Acordou cedo. Foi na pocilga ver como estavam os porcos. Depois
de colocar a lavagem para alimentar os animais, foi tomar banho. Colocou a
melhor roupa que tinha no armário, comprada para a celebração do Crisma dos
filhos gêmeos há quinze anos. Perfumou-se. Saiu pelas ruas da cidade.
– Pedro, tem carne de porco já?
– Não. Não venderei mais. Vou me
matar – respondeu a um freguês, mas não foi levado a sério.
Chegou no principal bar no centro
da cidade, perto do açougue onde vendia a carne suína. Pediu uma Coca-Cola.
– Tá de brincadeira, né? Não
beber cana hoje? – perguntou o dono do bar.
– Vou me matar. Não quero ser
encontrado com cheiro de cachaça, disse.
– Arrumado do jeito que tá você
deve ter algum encontro.
– Com minha morte – respondeu,
não sendo levado a sério.
A carne de porco que vendia era a
melhor da região. Mas fazia muito tempo que havia se entregado ao alcoolismo.
Já bebia antes de Maria morrer. Mas aumentou muito depois que os filhos foram
embora. Diziam as más línguas que o câncer que ceifou a esposa foi causado
pelas brigas e surras constantes que ela levava dele. Nem conseguia matar mais
os animais. Nos últimos tempos pagava para alguém ficar vendendo em seu lugar.
– Até mais, Severino. Qualquer
coisa a gente se encontra no outro lado da vida – disse após pagar a conta e
sair do bar.
Foi em direção ao antigo prédio
de um armazém abandonado. Pegou a corda escondida há três dias. Era por volta
de duas e meia da tarde. Pouco movimento na rua. A maioria das pessoas tiram a
soneca após o almoço, despertando por volta das três horas, com o toque do sino
da igreja, convidando para o terço da misericórdia.
Amarrou a corda em um ferro alto
perto da lavanderia do velho armazém. Pegou um tamborete. Subiu nele. Colocou a
corda no pescoço. Rezou uma ave-maria, se benzeu, pediu perdão a Deus, e pulou
para a sua viagem eterna.
Pouco depois, uns adolescentes
que iam para o quintal do velho armazém pegar goiabas tiveram um susto ao ver o
homem pendurado. Saíram correndo. Primeiro encontraram Severino, já que o bar
ficava perto.
– Pedro tá pendurado no armazém –
disseram.
Severino foi lá. Constatou. Aos poucos a notícia foi se espalhando na pequena cidade. Curiosos e conhecidos viram Pedro enforcado. Uns choravam, outros só comentavam da tristeza que ele expressava nos últimos tempos. O dono do bar falou do suicídio anunciado, mas ele não havia acreditado. Um pouco mais adiante o sino da igreja começou a repicar. No alto-falante da matriz começou a reza: “Pela sua dolorosa paixão, tende misericórdia de nós e do mundo inteiro.”
*
Luciana Beirão de Almeida
Uma Viagem Inesquecível
Oito módulos,
Oito meses.
Viajando no tempo e no espaço.
Respirando arte,
Banhando-me em cultura.
Mamuskas, Macabéas, Kareninas,
Entre travesseiros e corvos eu
sonho.
Embarco nessa viagem com muita
curiosidade.
Vamos juntas trilhando
Caminhos repletos de beleza e
novidades.
Chego ao destino final
Com a certeza de que há muito
ainda a se explorar.
Muitas dúvidas na cabeça de
Jorge. Pensava que o dia em que passasse dessa para outra esfera teria certeza
das coisas, dos conhecimentos, mas que nada.
O casamento marcado com Virna tinha tudo pra dar certo. Isto dito no
duplo sentido. O casamento enquanto vivência a dois, ou seja, a vida de um
casal que se ama e o casamento enquanto festa. Sim. Estava tudo finalizado para
os comes e bebes. Igreja, salão de festas, comidas, bebidas e tudo o mais
estava providenciado.
Jorge foi à casa de Virna para passar algumas horas com a noiva. Faltava uma semana para o casamento. Virna era só alegria. Jorge chegou de supetão e viu Virna experimentando o vestido de noiva. Fazendo os últimos ajustes com o auxílio da mãe Josélia. A mãe de Virna disse para Jorge sair porque não é de bom agouro que o noivo veja a noiva com o vestido de noiva antes do casamento. Jorge deu uma sonora gargalhada e disse pra sogra que isto é bobagem, superstição, coisa de gente que acredita em mula-sem-cabeça. Josélia respondeu que acreditava porque, como diz o povo, onde há fumaça há fogo, e não é de bom tom brincar com a sabedoria popular. Jorge não deu ouvidos e inclusive ajudou a sogra a ajustar o vestido da amada. Aproveitava a ocasião para dar uns leves beliscões em Virna com o intuito de provocá-la. A noiva também não gostou da ideia de Jorge ajudar no ajuste do vestido, mas como o noivo teimava em ficar, concordou.
Após o ajuste, lancharam e dona Josélia deixou o casal a sós. Trocaram beijos e carícias antes de Jorge retornar à casa. Ao se despedir, o jovem beijou a noiva, subiu em sua moto e dirigiu-se para casa. Andava tranquilo e dentro da velocidade da via. A neblina, serração como chamamos em Curitiba, era alta e não deixava Jorge ter visibilidade do que estava a sua frente. O rapaz seguia tranquilo quando de repente bummmm. Tudo apagou. Tudo ficou escuro. Então Jorge viu a moto toda torta com a batida e um corpo estendido no chão. O corpo parecia ser o seu. Não entendia direito o que havia acontecido. Viu uma caçamba de resíduos deixada no meio da via e viu que a falta de visibilidade o impediu de ver a caçamba e, embora estivesse na velocidade recomendada, o choque foi o suficiente pra retirar-lhe a vida.
Via o corpo no caixão sendo velado na capela. Via sua noiva inconsolável. A sogra e os amigos chorando. Todos lamentando o acontecido. Pensou quem será o infeliz que colocou aquela caçamba fora de lugar e provocou o fim de sua vida e o enorme sofrimento da noiva? De repente um silencio total e Jorge vê Josélia dizer para Virna e um grupo de pessoas que a rodeavam que ela havia prevenido o genro que não é de bom agouro ver a noiva com o vestido de casamento antes do casamento. O teimoso não acreditou.
“– Três gerações de mulheres são convidadas a salvar o Rei do Amor Perfeito. Ele está preso na mais alta torre da Vila do Castelo. Ariana é convidada a entregar-se a esse abismo, onde se ama e se é amado.”
Assim começava o espetáculo teatral As joaninhas não mentem, cuja estreia aconteceu em maio de 2011, no Palco Giratório do SESC de Casa Amarela, e depois seguiu, em junho do mesmo ano, para o Teatro Joaquim Cardozo no Derby.
No capítulo 2 de Escrita Criativa em mim, apreendemos em outra língua a maneira como Balzac, e Flaubert, e Baudelaire, e Proust construíam seus textos grandiosos. Fomos na fonte de alguns dos maiores autores da Literatura Ocidental, para nos alimentarmos, e fazermos crescer a nossa própria escrita.
Mas não somente de textos alimentamos a Escrita Criativa. Ela também é provocada (e muito) pela leitura dos quadros e das esculturas nos museus do mundo inteiro. E dos espetáculos de música, dança e teatro. Como eu disse, neste mês de outubro de 2020, em entrevista para a poetisa e escritora Bernadete Bruto (PE – Brasil):
“A
escrita, por ser também uma arte, está ligada, inexoravelmente, às outras
formas de expressão. Não consigo dissociá-la da música, das artes plásticas, do
cinema, da fotografia. Para mim, elas provocam umas às outras, ajudam umas às
outras a ampliarem as suas fronteiras. Por fazerem parte de um todo só.”
Então
retornamos ao espetáculo teatral As joaninhas não mentem. As mesmas joaninhas
que lançamos em Paris, na Librairie Portugal, no 146, Rue du Chevaleret. A
proposta era adaptar para uma hora de espetáculo um livro de cem páginas.
A adaptação correu por conta e risco meus. O diretor Jorge Féo me convenceu de adaptar o texto para espaço e tempo reduzidos, e confesso que sofri muito cortando falas, modificando, na minha imaginação, o perfil físico e psicológico dos personagens, para se encaixarem nos jovens atores e atrizes que os interpretavam. Foram seis meses de ensaios, e cortes de falas pelos próprios atores e atrizes, até eles vestirem a pele dos personagens e nunca mais eu conseguirei ler meu livro sem pensar nessa montagem, como afirmo no vídeo abaixo.
O próximo capítulo desta coluna irá percorrer os corredores dos concursos literários, na busca pelo reconhecimento da Escrita Criativa em mim.
* Antonio Aílton (Bacabal-MA, 1968) é poeta, ensaísta, professor. Graduado em Letras Português/Francês e mestre em Educação (Cultura e Imaginário) pela UFMA. Doutor em Teoria da Literatura pela UFPE (2017), com a tese Martelo e flor: Horizontes da forma e da experiência na poesia brasileira contemporânea (EDUFMA, 2018). Recebeu prêmios em livros de poesia e ensaio, tais como Prêmio Literário e Cultural Cidade de São Luís e o Prêmio Cidade do Recife – Prêmio Eugênio Coimbra Júnior, 2006. Livros publicados: Cerzir (Poesia, Penalux, 2019), Compulsão agridoce (Poesia, Paco Editorial, 2015); Os dias perambulados & outros tOrtos girassóis (Poesia, Fundação de Cultura do Recife, 2008); As habitações do minotauro (Poesia, Fundação Cultural de São Luís, 2001); e Humanologia do eterno empenho (Ensaio, com o qual recebeu o Prêmio Cidade de São Luís, 2003). É membro da Academia Ludovicence de Letras – ALL (Academia de Letras da cidade de São Luís – Maranhão). Contatos: ailtonpoiesis@gmail.com e www.antonioailton.wordpress.com
* Cilene Santos, escritora, poeta, cordelista. Professora graduada em Letras, com especialização em Língua Portuguesa. Membro da Academia Caruaruense de Literatura de Cordel, ocupando a cadeira nº 08, e tem como patrono Dimas Batista. Publicou Branca de Neve e os Sete Anões em Versos e A vida de Joel Pontes, em cordel. Participou dos Estudos em Escrita Criativa 2018 de Recife. Contato: cilenecaruaru2013@gmail.com
** Clauder Arcanjo nasceu em Santana do Acaraú,
Ceará, graduado em Engenharia Civil. Editor-Executivo da editora Sarau das
Letras, produz e apresenta, na TCM Telecom, o programa Pedagogia da Gestão.
Membro da Academia de Letras do Brasil (ALB), da Academia Norte-rio-grandense
de Letras (ANRL), da Academia Mossoroense de Letras (AMOL), bem como de outras
entidades. Autor dos livros de contos Licânia (2007), Lápis nas veias
(2009), Separação (2017) e Mulheres fantásticas (2019); além de Novenário
de espinhos – poemas (2011), Uma garça no asfalto – crônicas (2014),
Pílulas para o silêncio/Píldoras para el silencio (2014) –
aforismos poéticos –, vencedor do Prêmio Geir Campos, da União Brasileira dos
Escritores/RJ, do romance Cambono (2016), da novela O Fantasma de
Licânia (2018), e d’A província em exílio – discursos (2019). No
prelo, Carlos Meireles: ofício de bibliófilo – resenhas literárias.
** Clauder Arcanjo nació en Santana do Acaraú, Ceará, formado en Ingeniería Civil. Editor-Ejecutivo de la editorial Sarau das Letras, produce y presenta, en la TCM Telecom, el programa Pedagogía de la Gestión. Miembro de la Academia de Letras do Brasil (ALB), Academia Norte-rio-grandense de Letras (ANRL), Academia Mossoroense de Letras (AMOL), igual que de otras entidades. Autor de los libros de cuentos Licânia (2007), Lápiz en las venas (2009), Separación (2017) y Mujeres fantásticas (2019); además de Novenário de espinhos – poemas (2011), Una garza sobre el asfalto – crónicas (2014), Pílulas para o silêncio/Píldoras para el silencio (2014) – aforismos poéticos –, vencedor del Premio Geir Campos, de la Unión Brasileña de Escritores/RJ, de la novela Cambono (2016), de la novela El Fantasma de Licânia (2018), y de La provincia en el exilio – discursos (2019). En prensa, Carlos Meireles: oficio de bibliófilo – reseñas literarias.
*** sertanejo: hombre que tiene origen y que
vive en el agreste del Nordeste del interior de Brasil.
Tímida, ela vem em minha direção. É uma noite de julho de 2011, ao final do último espetáculo teatral As joaninhas não mentem. Traz consigo o livro de mesmo nome para eu autografar.
Alguns dias se passam. Abro a caixa de entrada e encontro um e-mail de Elba Lins sobre o impacto que a leitura do meu segundo livro lhe causara. Naquele instante epifânico, nasce o nosso diálogo.
“Hoje só desejo estar neste pequeno quarto e amanhã despertar, com o sol batendo na minha janela.
Hoje não preciso de
amigos, não quero amantes, quero acordar bem cedo e lavar minhas mágoas, minha
face e minha alma; colocar meu chapéu de palha e sair ao sol.
Vou percorrer campos
de girassóis e firmar na minha retina as cores do mundo para poder transpô-las
para as telas de linho dispostas na minha varanda, à espera da luz das cores
adormecidas no branco inerte das telas. Nelas vou colocar a beleza dos campos,
os detalhes de todas as coisas e a dança luminosa que só eu percebo nelas.
Mesmo que me isole do mundo e me torne um louco na visão dos outros, ainda assim, surpreenderei a todos com a beleza da minha obra.”[1]
Elba lê todos os meus livros e me transmite paz. Não a paz dos cemitérios, mas aquela plena de vida, e luz, e cores, e arte, reverberando em todas as células, em todos os cantos do ser.
“Queria voar como estes pássaros que esperam minha morte.
O
barro do poema, da prosa ficcional ou teórica já existiam em Elba Lins,
guardados em um oráculo precioso, bastando apenas o afeto, as leituras dos
clássicos, o dar-se as mãos em dança circular de amigas para se criar
confiança, dar os primeiros passos – os mais difíceis – e deixar-se queimar no
fogo primevo da criação, feito uma fênix desmesurada.
Elba
percorre os caminhos tortuosos da escrita, tantas vezes difíceis de se trilhar.
Mas ela não se encontra só. Ela reconhece companheiros e companheiras de mesma
dor, mesma luz, mesma busca de sentido que a verdadeira arte nos dá.
E,
com a estatura de mulher inteira, escritora plena, aroma de primavera
desabrochando no verão nordestino brasileiro, entre borboletas e girassóis,
Elba Lins encontra-se pronta para voar, para lançar palavras ao vento, papel e
tinta, amiga de Ariana, a Rainha do Amor Perfeito dos próprios versos, contos e
reflexões.
* Elba Santa Cruz Lins (Monteiro/PB, 1957) é formada em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal de Pernambuco (1979), com MBA em Gestão de Negócios (EAD) pela PUC-PR. Trabalhou durante 34 anos na área de Telecomunicações da CHESF (Companhia Hidroelétrica do São Francisco). Atualmente aposentada, dedica-se à escrita. Fez curso de Contação de Histórias no Zumbaiar (Recife). Faz poesias, há cinco anos participa dos Estudos em Escrita Criativa, sob a coordenação de Patricia Gonçalves Tenório, e cursou a primeira turma da Especialização Lato Sensu em Escrita Criativa – Unicap/PUCRS (2019.2/2020.2). Lançou em 2017 seu primeiro livro de poemas, Do outro lado do espelho: O feminino em estado de poesia. Participou com textos teóricos da trilogia Sobre a escrita criativa (2017, 2018, 2020). Destaque Literário (projeto de Bernadete Bruto) da Cultura Nordestina (Salete do Rêgo Barros) no mês de outubro, 2020. Contato: elbalins@gmail.com
[1] Elba Lins, 06/09/2016, “A luz das cores”. Texto escrito a partir da observação de um postal, exercício do grupo de Estudos em Escrita Criativa, composto por Bernadete Bruto, Elba Lins e Patricia Gonçalves Tenório.
[2] Elba Lins, 19/08/2017, 12h31, a
partir da capa de Chão arejado, de Marcos Torres, Interpretações
gráficas de Uilian Novaes, Guaratinguetá, SP: Penalux, 2017, no encontro de
agosto, 2017, do grupo de Estudos em Escrita Criativa, composto por Bernadete
Bruto, Elba Lins, Luisa Bérard, Patricia Gonçalves Tenório e Talita Bruto.
[3] Elba Lins, “Fogo – Do Barro à
Pira, Companheiro de Vida”, 20/08/2017. Poema escrito no último encontro dos
Estudos em Escrita Criativa 2018, aberto ao público na Livraria Cultura do Shopping
RioMar, Recife, em 10/11/2018.
[4] Elba Lins, “Buscando o sentido da
vida”, 06/04/2019. Poema escrito na aula sobre o Brasil do curso de extensão
Estudos em Escrita Criativa na Unicap.
[5] Elba Lins, “Leveza”, 01/08/2020.
Exercício de desbloqueio em quinze minutos do módulo sobre o Japão dos Estudos
em Escrita Criativa On-line. Elba utiliza uma de suas técnicas favoritas: as
listas de Sei Shônagon.
Deve-se ler este primeiro livro
de Fernando de Albuquerque como quem está apaixonado. Ele utiliza o eu-lírico
não só para revisitar seus desejos, mas também para colocar os pingos nos is e
se elevar. Ele trabalha com a memória da guerra interior, depois da paz
estabelecida.
Quando a gente lê apaguei a
playlist / comecei a dançar, músicas vão se amplificando nas páginas
e nos sentimentos do leitor. Dá vontade de fechar os olhos depois de cada
poema, só para reconstituir cada passo. Dois pra lá, dois cá. Ou levantar e
dançar numa pista imaginária.
O livro é erguido sobre o que
restou dos escombros afetivos e de seu repertório sofisticado. Personagens e
eventos de outrora desfilam pelos versos, sempre trazendo uma reflexão
filosófica, ora pra botar o dedo na ferida, ora para aliviar a dor, como uma
espécie de merthiolate.
Nos poemas, Fernando tem um
cuidadoso trabalho com a linguagem e o faz a partir de um olhar inusitado, que
surpreende e foge do lugar comum. Um bom exemplo é o poema “AHTÓH YÉXOB”, no
qual uma atriz entra em cena com um cavalo e dispara frases aparentemente
desconexas para a plateia. O humor e a ironia estão presentes em todos eles.
Os poemas são como pequenos
monólogos destinados a uma plateia de homens: o vizinho, o drogado, o
prostituto, o boy lixo, o pintoso, o da rua. Fernando tocou meu coração e,
agora, vai tocar o seu.
Cleyton Cabral
ouvindo menino do
rio, na voz de baby,
enquanto escrevia estas linhas.
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* apaguei a playlist / comecei a dançar.
Fernando de Albuquerque. Prefácio: Cleyton Cabral. Ilustrações: Márcio
Junqueira. Projeto Gráfico: Fred Caju. Recife: Castanha Mecânica, 2020.
** Eu nasci em 1984, quando ainda se
chorava a morte de Clara Nunes. Entrei para a faculdade de jornalismo querendo
fazer Letras e foi lá que conheci meus melhores amigos. Li César Leal, João
Cabral de Melo Neto, Carlos Pena Filho, Ascenso Ferreira e Cyl Galindo ouvindo
New Order, The Clash e Portisehad.