O mês de maio dos Estudos em Escrita Criativa nos presenteou com textos belíssimos de nossos participantes e depoimentos enriquecedores dos escritores convidados – Fátima Quintas em Recife no dia 12, Débora Ferraz e Tiago Germano em Porto Alegre no dia 16.
Sob a temática da viagem, navegamos por Camões, Michel Onfray, Joseph Campbell, Christopher Vogler, Maureen Murdock, Alessandro Baricco, Adriana Lisboa. À luz da Teoria investigamos a Ficção, iluminamos a Poesia e extraímos técnicas dos autores para o nosso fazer artístico.
Apresentamos abaixo, textos escritos na parte prática dos nossos encontros, alguns dos quais serão levados para o Congresso Internacional da Abralic (Associação Brasileira de Literatura Comparada) 2018 que acontecerá final de julho, início de agosto em Uberlândia, Minas Gerais.
Com vocês, os textos dos nossos Estudos em Escrita Criativa – Maio, 2018.
Grande abraço e boa leitura,
Patricia Gonçalves Tenório.
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A JORNADA DE UMA VIDA
Bernadete Bruto
Contato: bernadete.bruto@gmail.com
Recife, 12/05/2018
Saiu de casa em direção à rua. Não sabia direito o que aconteceria. Saiu às pressas, na correria da vida e se encontrou em pleno caos da rua. Foi assim mesmo, entrando nos lugares, batendo de porta em porta, pedindo permissão para entrar.
Fez isso para ter uma voz no mundo e redescobrir a vida. A princípio não entendeu bem aquele mundo, além do famíliar, julgando os outros, se desentendendo em alguns momentos, até que, no meio do caminho, olha no espelho e descobre que todas as possibilidades e impossibilidades estavam ali mesmo, dentro de si e não no outro. O outro era apenas o espelho, o mentor, lhe apontando um caminho de pedras e flores, assim como é a vida comum.
Tomou a própria voz, no devido tempo e retornou para a casa dos sonhos, deixando um espaço também para o outro se expressar, da mesma forma que sempre desejou ter no mundo, no devido tempo, uma voz.
Hoje, olhando para trás, vê a jornada como uma viagem que sempre vale a pena, quando a gente compreende a vida e descobre que a alma coletiva nunca é pequena.
A viagem
Cilene Santos
Contato: cilenecaruaru2013@gmail.com
Recife, 12/05/2018
Debrucei-me nas muralhas do tempo.
Um cheiro de mato
Me levou à infância.
Agora sou uma menina.
Os amigos viajam comigo.
E brincamos.
O anel escondido entre as mãos.
“Onde está o anel?”
“Quem advinha?”
Agora é a sua vez.
Ah! Eu quero brincar de academia (amarelinha).
“Eu primeiro!”
A mãe chama,
“Hora de entrar!”
A voz da mãe se mistura com os protestos.
Na sala, a avó conta histórias de Trancoso.
Arrepios, medo de assombração.
O barulho do vento.
Comadre Fulozinha.
Histórias de rei e de rainhas
Que moram dentro das pedras.
Ouço uma campanhia.
É o tempo me chamando à realidade.
Fim da viagem.
À MULHER SECULAR QUE EXISTE EM TODAS NÓS…
Elba Lins
Contato: elbalins@gmail.com
Recife, 12/05/2018
Forte!
Independente!
Desafiadora!
Inquieta!
Valente!
Ousada!
Dona da verdade.
De repente olha para trás…
Onde está sua luz?
Transita por todos os espaços,
Conversa com todos os amigos
Mas não se encontra…
Não vê o foco de luz
Que criou sua história.
Pára…
Mergulha no silêncio,
Cala as palavras,
Reduz o desejo,
Sente o medo.
Vai ainda mais fundo
Respira!
Expira…
Inspira…
Expira…
Inspira…
Se inspira.
E na calma das horas
Que escorrem lentas
Encontra a luz
Ela é macia
Serena
Frágil
Depende do oxigênio
De sua respiração
Pausada
Ela é quieta
Doce
Da cor do feminino
Que lhe conduz ao futuro.
Eliane Mascarenhas
Contato: elimasc@uol.com.br
Recife, 12/05/2018
Por muitos lugares andei, por muitos mundos viajei. Vi pessoas de pele clara, pele escura, dentes perfeitos, e bocas desdentadas. Pessoas que choravam e que riam, que louvavam e satanizavam.
Quantas paisagens maravilhosas, e quantos lugares sombrios. Em uns o sol brilhando e aquecendo, em outros a chuva, as nevascas, e as tempestades.
Quantas risadas, e quantos lamentos, em bares, esquinas, campos e praças.
Aqui, frio e fome; ali, abundância e satisfação.
Ora norte, ora sul, ora leste, ora oeste.
Vôos intermináveis para chegar ali, poucos passos para chegar aqui.
E línguas. Quantas línguas a falarem idiomas ora tão claros, ora tão ininteligíveis.
Esta poderia ser a descrição de uma longa viagem ao redor do mundo: Japão, França, Brasil, Conchinchina. Mas, na verdade, é uma viagem para dentro de um mundo que ninguém mais pode percorrer, a não ser nós mesmos.
É o nosso mundo interior, a nossa individualidade, o nosso eu, o nosso planeta íntimo. Tão igual a tudo que há na terra, e tão surpreendentemente único.
Jornada ao parque
Rackel Quintas
Contato: rackelquintas@gmail.com
Recife, 12/05/2018
Antes de mim, vieram três irmãs.
Mas eu era, também, a terceira;
Meio morte, meio dor,
no som dos meus treze anos.
Sonhava com a mãe –
aquela que paria e nutria crias no quintal –
E com casa: colunas, cama, banho, aconchego.
Depois, sonhava com tropas de bonecos
Entoando gritos de guerra.
Vez em quando, um homem visitava minha casa.
Era um pouco surdo, mas ria bastante.
Me trazia um pedaço de raiva;
aquela alegria exaltada agitava o sonho.
E eu permanecia inerte.
Certo dia, o visitante chamou-me ao parque.
Mas era longe do feijão,
Longe da mesa,
Longe da porta.
Lá haviam gritos,
barulhos agudos de felicidade
E um som salgado do mar em ondas calmas.
Sentei, calei, espantada.
Andei os primeiros passos, e depois mais rápido,
Senti meus braços e pernas desordenados
Até que a calçada ficou maior que meus pés.
E caí. Doeu. Sangrei.
Segurei as pontas dos dedos nuns apertos constantes.
E percebi que o homem ria.
Enraiveci. De medo.
Gritei, bati as mãos na areia.
O homem se aproximou,
beijou minha testa
Ergueu-me nos braços
e jogou-me corpo-ao-vento.
Voei.
Senti um balão de ar no meu peito,
E misturando ódio e medo,
Gritei desafinada
em gargalhada.
Mas era longe do feijão,
Longe da mesa,
Longe da porta.
Perto de todo o vento no rosto e nos cabelos,
iguais aos da minha mãe.
E voltei, naquele dia,
meio morte, meio dor,
Passando calçadas, pessoas, planos,
No entanto, dessa vez, sonhando:
jardineiro ou pescador?
Ao dom dos meus treze anos.
ATACAMA
Adriano B. Cracco
Contato: acracco@gmail.com
Porto Alegre, 16/05/2018
O desafio era grande
Cruzar o Atacama sempre foi um sonho deles
Ou, pelo menos, até então
Percorrer outros países, outras províncias, outras culturas
O que mais podiam esperar senão o inesperado?
Levar apenas as roupas que lhes cabiam na mala
Um punhado de objetos que lhes poderiam ser úteis
Mera precaução
Diria até pretenciosa
Planos feitos, dia claro, estrada adiante
Jornada iniciada
Do cansaço à tranquilidade
Da fome à raiva
Da surpresa ao medo
Tudo transcorria numa flexível rigidez
Saindo do prumo
Equilibrando emoções
E (quase) tudo que vai, volta
E eles voltaram
Querendo abraçar o mundo que partilharam
E nessa volta traziam também
O lógico desejo
De uma nova aventura
Gabriel Nascimento
Contato: gsabritto@yahoo.com.br
Porto Alegre, 16/05/2018
Estou fora de forma. Há anos não preciso arrumar malas. Vejo meu pai desgostoso com meu método de dobrar cuecas. Quase recusei a viagem, mas os argumentos de minha mãe foram…persuasivos: “Quem recusa Réveillon em Torres?”. Os decibéis ainda vibram nos ouvidos. Faltam 20 minutos até irmos à rodoviária. Fecho a mala, desistindo de dobrar mais a camisa. Sei que não é permanente, mas sinto como se estivesse no primeiro dia de aula, quando não entendia a inconstância das coisas. Vou à praia. Vou à praia. A ansiedade toma conta quando a ficha cai, mas não que nem antes. Há um sabor diferente, mais…suave. A ansiedade aumenta com as batidas na porta. Minha mão sufoca a alça da mala.
Em pelos de águia
Gabriela Guaragna
Contato: gabi_guaragna@hotmail.com
Porto Alegre, 16/05/2018
Passou pelo portão de embarque, segurando firme entre os dedos a passagem, a borrachinha de cabelo e a carteira de identidade. Ganhou tempo na espera. Descalçou-se. Tirou o cinto que segurava a respiração. Os pertences no raio-x; ela no detector de metais. Detectores metais?
Cruzou o saguão a sós. Pela primeira vez, desacompanhada. Como se estivesse morta, aguardava a própria aterrissagem em si. Segurava firme entre os dedos a passagem, a borrachinha de cabelo, a identidade, o suor. Havia um mar inteiro escorrendo entre os dedos. Tinha medo. De perder a prisão dos cabelos e das respirações. Segurava-se firme, com medo de esquecer-se ao adentrar a águia mecânica.
Lá de cima, viu o sol pintar o infinito de laranja. Foi com o ele se pondo sob as nuvens que ela se pôs junto. Com ele, encontrou a passagem, soltou a identidade, tornou-se águia. Voou.
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Turmas de Maio, 2018 dos Estudos em Escrita Criativa – Recife e Porto Alegre:


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