I appreciate the immense affection of the people participating, the next post will be on March 28, 2021, big hug and until then,
Patricia Gonçalves Tenório.
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Poema para não se esquecer que é gente – Patricia Gonçalves Tenório
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* Índex foi traduzido (a maior parte) apenas para o inglês por uma questão de extensão do post.
* Index was translated (most of it) into English only as a matter of the extension of the post.
** Praia de Boa Viagem (Recife, PE – Brasil), 05h da manhã, para não me esquecer que sou gente. Boa Viagem Beach (Recife, PE – Brasil), 05h in the morning, not to forget that I am a person.
Continuamos nessa viagem maravilhosa para “Os mundos de dentro” de autores e autoras super inspirador@s para a nossa escrita… Dessa vez, investigamos o país imaginário do poeta pernambucano, nascido em Recife, Manuel Bandeira:
Primeira Aula do Módulo 2:
Na primeira aula do módulo, constatamos a urgência e os olhos de estrangeiro com os quais Bandeira retratou o Recife em sua obra; navegamos com Plínio Santos-Filho e Francisco Carneiro da Cunha em “Um dia no Recife” e “Um dia em Olinda”; verificamos que João Cabral de Melo Neto está para o engenheiro enquanto Bandeira está para o arquiteto dos versos; experimentamos a antítese de Bandeira: sofrimento e Carnaval; e comparamos a técnica de Bandeira com a de Edgar Allan Poe – refrão, tom, efeito e intenção.
Segunda Aula do Módulo 2:
Continuamos na análise de alguns poemas de Bandeira, em especial, os do livro Libertinagem, entre eles, “Evocação do Recife” e a poesia-ícone “Vou-me embora pra Pasárgada”, relacionando o país imaginário de Bandeira com o país anterior do poeta francês Yves Bonnefoy, além da indicação de filmes sobre Manuel Bandeira;
Terceira Aula do Módulo 2 (Live com Altair Martins):
E o encontro virtual com um dos maiores apaixonados pela obra de Manuel Bandeira, o escritor, poeta e professor de Escrita Criativa Altair Martins (RS | Brasil):
O próximo módulo será sobre a casa, a vida e a obra do poeta maranhense, nascido na ilha de São Luís, Ferreira Gullar, e contaremos com a participação especial do escritor, poeta e professor Antonio Aílton. A primeira e a segunda aulas do módulo 3 irão ao ar, respectivamente, em 03 e 10/03/2021 e o encontro virtual será em 31/03/2021, a partir das 19h – acompanhem nas redes sociais @estudosemescritacriativa (Instagram e Facebook). Não percam!
Já existia uma rotina que desenvolvera naquele tempo que iniciava ao desligar o despertador. Através daqueles pequenos gestos diários pude me reconciliar com a minha casa, antes entregue a outra pessoa que não pôde vir por muito tempo. Então fiquei com todo o serviço doméstico mais o do meu trabalho. Penso que, de qualquer modo, foi bom estar em casa em tempos tão inseguros. Os objetos de consumo mais imprescindíveis eram as garrafas de álcool gel, de álcool 70, álcool em spray e a de água sanitária. Hoje, faço uma lista das atividades rotineiras daquele período.
Desligar o despertador do celular
Escovar os dentes
Vestir uma roupa leve
Fazer alongamento
Preparar o café
Fazer anotações
Dar comida ao cachorro
Limpar área de serviço
Colocar água
sanitária no tapete da entrada
Organizar almoço
Lavar pratos
Ligar TV para ouvir um programa em inglês
Faxina sala quartos e banheiro
Aguar plantas
Limpar varanda
Tomar banho de sol
Tomar banho
Ligar computador
Cozinhar o almoço
Atualizar listas de compras, reparos
Programar despertador para sesta
Lavar pratos
Retornar ao computador e aguardar e-mails, Whatsapp ou telefonemas
Fechar o computador
Fazer o jantar
Ligar a TV
Preparar um lanche
Desligar TV
Lavar pratos
Recolher lixo
Apagar as luzes da casa
Acender luz do quarto
Tomar banho
Vestir o pijama
Ligar ventilador do quarto
Deitar na cama
Abrir um livro
Fazer anotações
Fechar e guardar livro
Programar despertador
Apagar luz
Era uma variação de gestos diários, dependendo das circunstâncias: meticulosos, firmes, caprichados, nervosos, apressados, cansados, displicentes… Mas sempre, rotineiramente, gestos ritmados para no final descobrir que você ainda era sua própria fiscal. Ha, ha, ha, em todo lugar observava pequenos defeitos que requereria mais gestos e listas e mais listas do que fazer, o que comprar, do que consertar…
Mesmo assim, foram aqueles pequenos gestos diários que me conduziam ao encontro comigo. A maior parte dos barulhos era proveniente dos gestos. Gestos que realizava no silêncio. Não silêncio como nos mosteiros, pois havia uma TV ligada, ou um celular vibrando, um cachorro latindo, os barulhos de fora. Mas gestos cadenciados na atenção plena. Aqueles gestos cotidianos me mantiveram no chão e pude enfrentar a pandemia, o isolamento, as tarefas externas e as grandes perdas que desabaram sobre minhas costas, pesaram meus ombros, oprimiram meu coração durante esses tempos tão sombrios.
Era grande a casa; porém, não dividida a contento. Havia apenas dois quartos. O quarto do casal e o quarto das crianças, onde quatro camas compunham o mobiliário. O ambiente era aconchegante. Na parede, alguns quadros, de cores vivas, quebravam a seriedade da madeira. Uma cortina de voil abrandava a claridade do sol da manhã. Uma janela grande mostrava a paisagem da rua da frente: algumas casas, uma praça, onde as crianças brincavam ao final da tarde. Por ali, passavam o sorveteiro, o pipoqueiro e um senhor idoso vendia bolas de sopro. Da janela se via a igrejinha que, vez ou outra, quebrava o silêncio com o badalar nostálgico do sino. Naquele quarto havia também uma mesa, que servia de apoio nas tarefas escolares. Em todas as noites havia contação de histórias, para os menores. Eram quatro, ao todo. E o tempo foi passando lentamente, desfazendo a magia daquele quarto. Quando dei por mim, meus meninos não eram mais crianças. Haviam partido para o mundo. Cada um para o seu lado. Às vezes, nas noites, entro no quarto e sinto o cheiro do passado. Não tem mais a mesma aparência, mas a poesia daqueles momentos da infância ficou marcada nas paredes, no teto, no ar. Chego a escutar umas vozinhas reclamando: “Não, mamãe, não quero ir para a escola!” E eu, aturdida com o pensamento no passado, falo em voz alta: “Sim, meus filhos, precisam ir à escola. Hoje é dia de prova.” Assustada comigo mesma, saio do quarto e entrego-me aos afazeres domésticos.
Gestos – pequenos gestos, que dizem quem somos. Gestos que às vezes ficam para sempre gravados – para nos lembrar quem somos, para recordar quem fomos, para possibilitar que muito tempo depois possamos concluir se mudamos, ou se ainda somos os mesmos de outrora – capturados um dia pelas lentes amadoras de uma câmera.
A foto em preto e branco – antiga – é de uma época em que
a família era completa e jovem. Época em que eu não ousava mostrar sentimentos.
Minha irmã deixava transparecer toda sua amorosidade, seu carinho, seus gestos
de aconchego – que eu quis inibir. O clique da máquina, entretanto, foi mais
rápido que eu e deixou impressa a tentativa – inútil – de alterar o jeito se
ser de minha irmã.
Sempre que olho a foto, lembro do meu movimento, do movimento
que mostra alguém frio, ou que não ousava ser de outra forma…
No momento, não tenho a foto em mãos, mas quando pegá-la
lembrarei novamente de como era meu jeito de ser e da sensação de reprovação
pela atitude tão carinhosa e bonita de se mostrar inteira de minha irmã.
Os dias ficaram mais longos, mais lentos. Não importa se
é hora de levantar e tomar banho. Não vou mais a correr apanhar o metrô. Agora
eu converso com minha segunda xícara de café. A segunda porque agora temos
tempo e ela me faz companhia. Ela sequer teve oportunidade algum dia de existir
antes da pandemia. A casa ainda dorme e eu converso com ela. A conversa se
desenrola enquanto olhamos as árvores frondosas da Quinta do Cisne que ficam em
frente ao meu apartamento. Sinto vontade de caminhar por baixo delas, mas só
posso admirá-las. Que bom que tenho um quadro vivo de muito verde! Mas sinto
saudades da brisa que corre lá fora, só posso sentir do metro quadrado de
varanda. A segunda xícara partilha comigo a vista verde no sol primaveril.
Refletimos sobre os dias de isolamento, do medo, falamos muito da impotência
que me resta junto com a tentativa de ter paciência. A segunda xícara me
recorda os planos adiados, das férias em família canceladas com o vôo que nunca
chegou e me vê chorar. E assim ela se vira derramando seu adoçado café em minha
boca e diz:
– Então, você achava que dominava o tempo? Ou dominava
teus atos? Não, querida, doce ilusão! Põe-te a traçar rumos novos dentro da tua
cabeça. O que te preenche?
– Não sei (lágrimas travadas na porta dos olhos). Me
recuso a chorar pela falta de domínio da minha própria vida. Não estava nos
meus planos refazer novos planos. Desengavetar o que ficou à minha espera e eu
nem sabia!
– Mas é o que te resta dentro desse concreto. Ou usa tua
cabeça que hoje é teu único mundo onde é permitido caminhar, ou melhor, voar.
Só assim consegues saltar essas paredes!
E assim foram dias e dias de muita conversa. A segunda
xícara nunca me abandonou mesmo quando o mundo parecia pausado e os dias
iguais. Foram nesses momentos pequenos e pingados que encontrei minhas novas
versões, recheadas de inquietudes, crises, risos e lágrimas. Foi na segunda
xícara que encontrei outros mundos meus, que nenhum vírus penetrou. Foi preciso
mergulhar fundo, e isso eu sei bem fazer!
A segunda xícara me ensinou sobre o tempo. O tempo que se
perdia em passadas largas e apressadas. Tempo do banho rápido, dos afazeres
diários no automático, do café engolido, do tempo morrido.
A segunda xícara aguçou meus ouvidos ao canto dos pássaros, a avenida calada, a conversa do vento na varanda e aos burburinhos dos meus pensamentos!
O mês de março de 2020 parece ter terminado antes. O medo do desconhecido começava num dia que seria o último de tantos que não se repetiriam mais. As ruas, já repentinamente vazias, contrastavam com a pressa dos incertos momentos que se seguiriam. “… Uma ânsia jamais sentida tomou conta de mim…”. O riso irônico dos transeuntes deixava a inquietação tomar conta, quase esquecendo o motivo de ter saído de casa: comprar vitaminas. Na primeira farmácia adentrada, uma cliente tossia muito e pedia remédio para febre. “… Preciso sair. A pandemia está circulando pela população…” Não deu tempo para responder à balconista, quando a mesma bradou 10. Os passos se tornaram acelerados e certeiros. Ao chegar em casa, as mãos e os pés não tinham mais o vigor de outrora. “As multidões nunca me atraíram. No entanto, poder caminhar e sentir o ar tocando o rosto… Que saudades!”
O calendário colado na parede com um durex barato,
a faz lembrar que é junho. Só agora, antes de marcar mais um xis, percebe, que
é dia de São João. O tempo, já parado há tempos, a faz viajar para uma época
não tão distante. O peito aperta e palpita ao imaginar a fumaça e a boniteza
das fogueiras que agita a criançada e os mais velhos; as pessoas fazendo fila
para curtir a festa e a quadrilha animada, que sempre assiste ao lado do avô.
A respiração fica pesada, acaba sentando-se na cama
bagunçada e colocando uma das mãos no coração acelerado. Mas o que está
acontecendo? Por que parece que engoliu mil agulhas? Por que isso não para?
Quer levantar-se, correr para o diário esquecido e listar todas as coisas que
está sentindo nesse exato momento, como sempre faz quando uma crise bate à porta.
Mas fecha os olhos. E ao fazê-lo, vê um par de olhos azuis encarando-a. Ele
está feliz! Ele sempre está feliz quando presencia o salto colorido dos
dançarinos de um lado para o outro.
O coração acalmou, as lágrimas escorreram e a vontade de escrever voltou a nascer. A saudade é mesmo um bicho estranho: não sabemos desenhá-la, mas podemos personificá-la em grandes olhos azuis.
*
Luciana Beirão de Almeida (Porto Alegre, RS | Brasil)
O sol atravessa a vidraça em meio à chuva, um raio de esperança iluminando a sala. O silêncio da casa vazia. Eu e os meus pensamentos, livros e estudos. Aqui, escrevendo, me sinto acolhida pelo calor do sol, por sua luz, e vejo a minha sombra na parede. As gotas de chuva na janela me fazem lembrar que lá fora a vida acontece. Mas, por enquanto, neste instante, aproveito o encantamento do meu refúgio.
*
Sueli Agnelli (São Bernardo do Campo, SP | Brasil)
Todos os dias eu via o
ventilador de teto girando, me sentia assim, a cabeça girando com meus
pensamentos acelerados, como um trem desgovernado. O cenário da internet era
caótico, a tv nem se fala… A ansiedade resolveu ficar para o jantar. Até que eu
resolvi fazer terapia, achava clichê demais conversar sobre o que eu sentia,
mas a ansiedade me pediu para que tal ato fosse realizado. Lembro-me de ter
adotado meu cachorrinho para a companhia dos dias cinzentos. Erguiam-se as
placas em todos os lugares: “Seja criativo, produza”. Mas o que era
difícil mesmo era parar, parecia que eu precisava correr mesmo eu clamando por
uma pausa. O café ficou frio e melado como os meus dias. Até que meu amor
chegou, aquele par de olhos castanhos, juntamente com meu cachorrinho, aquele
focinho preto me trazendo abrigo em dias turbulentos. Eu só queria repousar
minha cabeça no peito dele e falar sobre essa amiga falsa que chega sem avisar
e bagunça toda minha vida. É, meu amor… essa tal da ansiedade faz esquecer o
que temos de bom e perdemos o que temos para ganhar mais, que loucura, não é?
Com um suspiro profundo, lembro-me de ver meu alívio de ansiedade aqui comigo.
A casa era um silêncio tão obscurecido que dava pra ouvir a própria respiração,
era cansativo se ouvir todos os dias. Meu refúgio para o caos era sentar na
minha mesa e escrever qualquer bobagem, pode ser cartas que não serão
endereçadas a alguém, poesias, ou qualquer coisa do tipo. Foi meu refúgio poder
escrever e aliviar a tensão que meus dentes e meus ombros tinham durante todos
os dias, escrever é meu bote salva-vidas, o cenário não é nada agradável, mas
pelo menos a caneta dançando pelo papel faz tornar-se menos caótico possível.
Agosto de 2019. No auditório do bloco G4, da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), o escritor e romancista gaúcho Luiz Antonio de Assis Brasil, ao ministrar a aula magna da primeira turma da Especialização Lato Sensu em Escrita Criativa da parceria Unicap/PUCRS, apresenta os diversos tipos de escritores – os tímidos, os ousados, os que buscam a fama não importando os meios, os que escrevem pelo simples prazer da escrita e pelo desejo de se aperfeiçoar – e nos faz uma pergunta decisiva:
– Qual desses tipos você é?
Pergunta,
como disse, decisiva, porque, logo no início da carreira literária, quem
escreve precisa responder para si. Assis não julga, mas, sutilmente, sabemos
qual a resposta que ele deseja escutar:
–
Eu sou quem escreve pelo simples prazer da escrita e pelo desejo de me
aperfeiçoar.
É
este o convite que também mais amo, aquele que me dá forças para continuar nesse
caminho belíssimo, mas, ao mesmo tempo, árduo da Literatura, da Poesia, da
Teoria, da Escrita Criativa.
No
entanto, encontramos diversas pessoas que pensam diferente, que escolhem o
caminho da fama não importando os meios, que passam por cima dos outros, que,
literalmente, copiam o trabalho de quem fez primeiro. Porém, são pessoas que,
mais adiante, mesmo alcançando a tão sonhada fama, não encontrarão dentro de si
mais nada pelo que lutar. Esvaziaram-se de sentido e objetivo de vida, por
sempre estarem procurando no outro um modelo a seguir, ao invés de descobrirem
em si mesmos o melhor caminho, em si mesmos a melhor forma de escrever, de,
apesar da timidez, dos obstáculos mais difíceis e quase impossíveis, trazerem à
tona os mundos de dentro e expor para o mundo de fora a Escrita Criativa em si.
O escritor e professor gaúcho Luiz Antonio de Assis Brasil na aula magna da primeira turma da Especialização Lato Sensu em Escrita Criativa Unicap/PUCRS.
da tinta desgastada no limite das coisas que se atritam,
se mordem, se amparam, da dor incessante das lâmpadas elétricas e do medo (que
ainda temos) de temporal com granizo.
Mas a rua escreveu também sobre si.
Que o dia lhe pisou tão pesado
quanto um feijão que se come rápido.
Ela disse que o calor estriou sua pele
por onde andam os bichos pequenos
e também os jornalistas, os diretores de escola e os
fotógrafos.
** Altair Martins (Porto Alegre, 1975). Bacharel em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) — ênfase em tradução de língua francesa —, mestre e doutor em Literatura Brasileira na mesma universidade. Ministrou a disciplina de Conto no curso superior de Formação de Escritores da UNISINOS entre 2007 e 2010. É professor da Faculdade de Letras e de Escrita Criativa da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), atuando no Programa de Pós-graduação. Coordena o projeto de pesquisa O fantástico em tradução. Tem textos publicados em Portugal, na Itália, França, Argentina, no Uruguai, na Espanha, Hungria, em Luxemburgo e nos Estados Unidos. Ganhou, entre outros prêmios, o São Paulo de Literatura (2009, com o romance A parede no escuro) e o Moacyr Scliar (2012, com os contos do Enquanto água). A peça teatral Hospital-Bazar(Porto Alegre: EdiPucrs, 2019) e o romance Os donos do inverno (Porto Alegre: Não editora, 2019) são suas últimas publicações. Ministrante, em setembro de 2019, da disciplina Oficina de Poesia na primeira turma de especialização Lato Sensu em Escrita Criativa Unicap/PUCRS (2019.2). Contatos: altairt.martins@pucrs.br; www.altairmartins.com.br
Termino a leitura de Em nome de Rosa, da escritora, poeta performática e especialista em Escrita Criativa (Unicap/PUCRS, 2020) Bernadete Bruto, com a inquietação dos textos bons. A biografia romanceada de Rosa Amélia Cavalcanti nos faz mergulhar em nossas próprias histórias e não nos sentirmos sós.
Bernadete abre o conto biográfico com uma frase do psicoterapeuta Bert Hellinger, criador das Constelações Familiares. Ela própria consteladora, nos apresenta o conceito de ordem no caos que Hellinger aplicou nas terapias gestaltianas e promoveu durante toda a vida. E, não por acaso, é a ordem na casa um pouco antes de morrer que Rosa, a bisavó materna de Bernadete, exerce de maneira tranquila e exemplar.
“A vida é um círculo que continua girando indefinidamente. Voltamos ao momento que Rosinha arruma a casa para poder ir embora. Não há mágoas no coração. Deixara todas para trás. Resignada e serena, prepara a casa para o que acontecerá em breve. Está cansada. O velho coração fraqueja, avisa que resta pouco tempo. Chama a vizinha. Diz onde estão guardadas as capas novas e limpas da espreguiçadeira para que sejam trocadas e fique tudo arrumado para mais tarde. Pede para rezar com ela, e comunicar aos filhos só depois. Envia recados para cada um deles. Sabe que chegou a hora. Nada mais pode ser feito. Entrega a seu gatinho uma bola de meia nova que acabara de fazer. Com a vida e a casa em ordem, deita-se na cama e ao som do terço da divina misericórdia, num curto suspiro, fecha os olhos para sempre.”[1]
E se pudéssemos reparar nosso passado, colocar em dia no hoje os fatos do ontem preparando o amanhã? Bernadete, no formato que chamo (auto)bioficcional, realiza o mesmo que a personagem narradora Briony Tallis de Reparação, romance do escritor inglês Ian McEwan.
“O problema desses cinquenta e nove anos é este: como pode uma romancista realizar a reparação se, com seu poder absoluto de decidir como a história termina, ela é também Deus? Não há ninguém, nenhuma entidade ou ser mais elevado, a que ela possa apelar, ou com quem possa reconciliar-se, ou que possa perdoá-la. Não há nada fora dela. Na sua imaginação ela determina os limites e as condições. Não há reparação possível para Deus nem para os romancistas, nem mesmo para os romancistas ateus. Desde o início a tarefa era inviável, e era justamente essa a questão. A tentativa era tudo.”[2]
Passagens altamente poéticas iluminam a escritura de Bernadete. Entre várias, escolho a mais sofrida: o instante no qual Rosa e Severino descobrem que não ficarão juntos.
“O
mundo de ilusões finalizou muito cedo para aqueles jovens, como uma renda do
tear rompida” (BRUTO, 2020, p. 14).
Rosa revela-se uma guerreira, ao criar quatro filhos sozinha, e sua história inspira a bisneta Bernadete a escrevê-la e tantas mães e mulheres abandonadas a não desistirem, mesmo com imenso sofrimento, mesmo com a esperança quase finda em seus corações. Porque a escritura salva, liberta, nos coloca no oceano das palavras que permanecem vivas, mesmo após a nossa morte.
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* BRUTO, Bernadete. Em nome de Rosa: uma quase ficção. Recife: Ed. Do Autor, 2020.
Desde março de 2020, enclausurei-me neste apartamento. Duas luas se passaram e eu continuo nesta liberdade aprisionada, que me deixa refém de um inimigo audacioso que, silentemente, violenta o corpo, causando danos, talvez irreparáveis. Sozinha, durmo, na esperança de que nos mistérios da noite a graça aconteça: a descoberta da cura para os males causados pela COVID-19. Mas, o amanhecer surge, decepcionante. Nada de novo. Então, renovo-me de esperanças para viver mais um dia de expectativas.
Houve aniversários: Maria Clara e Maria Flor, minhas netas. Eu também aniversariei. 70 anos. Uma festa estava planejada. Solitária, não tive os abraços dos filhos, das netas e dos netos. Resignei-me com o frio cumprimento pelos meios tecnológicos. Grata a Deus pela vida, pela saúde. Procuro entreter o pensamento, desviando-o de notícias nefastas. Leio, vejo filmes, escrevo. A música me faz bem. Arrumo gavetas, armários, estantes. Olho fotografias de momentos felizes. Descarto objetos que não uso há tanto tempo. Desnecessários. Para que servem louças, taças, vasos expostos em uma cristaleira à chave, se nenhuma utilidade têm para o dia a dia da casa? Tive vergonha de mim! Revi roupas, guardadas há tanto tempo, de que não mais me lembrava. Separei para doação. Revi os meus conceitos, as vaidades e as futilidades. Fiz uma espécie de assepsia na alma. E assumi comigo um compromisso: o respeito às diferenças. Afinal, eu sou diferente.
Hoje, durante a manhã choveu. Fiquei feliz. Um acontecimento que rompeu a cansada rotina. Da varanda acompanhei a queda dos grossos pingos que explodiam no asfalto. O temporal foi passageiro, mas purificou e deu uma leveza ao ar. Olhei o jardim. As flores lá estavam indiferentes ao meu estado de espírito. Continuam enfeitando e perfumando. Lembrei os versos de Cartola. “AS ROSAS NÃO FALAM”.
E se falassem, o que me diriam? Talvez me passassem uma lição: “Nós nos despetalamos, na tempestade; mas, na primavera, renascemos mais bonitas”. E, nessas divagações, aprendi.
Quando essas nuvens sombrosas passarem, quero abraçar a todos. Penetrar no coração de cada irmão e dizer: “Eu te amo!” Quero ver a vida em sua plenitude. Descobrir a sua essência e ser feliz!
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AUDIO-2021-02-07-12-27-01 – Cilene
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* Texto publicado na obra TEMPO PARTIDO, organizado pela escritora e professora Ivanilde de Gusmão, a quem sou grata, em meio à pandemia da Covid-19.
* Gilberto Freyre – Plural e Singular. Fátima Quintas. São Paulo: Giostri, 2021.
** Fátima Quintas é antropóloga, formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), pesquisadora social e escritora. 54 livros publicados, é mestre pela UFPE e professora universitária.
(“Vida e morte” em
Memórias de tio Bá. Aldemar Torres Filho. Apresentação: Patricia
Tenório. Arte gráfica: Jaíne Cintra. Recife-PE: Edição do autor, 2012)
Do
pó
Vieste
Ao
pó
Voltaste
Mas
para sempre
Habitas
Os
nossos corações
*
Nos
teus
Versos
Risos
Na
tua
Alma
De
poeta
*
Cantando
A
musa
Renilda
Encantando
A
todos
Com
o teu
Pó
de
Estrelas
(“As eternas
memórias do tio Bá”, Patricia Gonçalves Tenório, 20/01/2021, 17h)
Partidas e chegadas no Índex de Janeiro,
2021 do blog de Patricia Gonçalves Tenório.
EECs 2021 | Os mundos de dentro | Osman Lins
(PE – Brasil) – escritor convidado Adriano Portela (PE – Brasil).
Coleção Quarentena | Patricia Gonçalves Tenório (PE – Brasil) com depoimentos de Bernadete Bruto (PE – Brasil), Elba Lins (PB/PE – Brasil) e Raldianny Pereira (PB/PE – Brasil).
Escrita Criativa em mim | Patricia Gonçalves
Tenório & Flavia Cosma (Romênia/Canadá), Fernando de Mendonça (SP/PE/SE –
Brasil), Maria do Carmo Nino (PE – Brasil).
Poema de Altair Martins (RS – Brasil).
A nota amarela: seguida de “Sobre a
escrita – um ensaio à moda de Montaigne” | Gustavo Melo Czekster (RS – Brasil).
Ficção & Crítica | Iaranda Barbosa (PE –
Brasil).
O lado que não era visível para quem estava na estrada | Luís Roberto Amabile (SP/RS – Brasil).
Manuela Bertão (Porto – Portugal) recita.
Os continentes de dentro | María Elena Morán (Venezuela/ RS – Brasil).
Departures and Arrivals in the January Index,
2021 of Patricia Gonçalves Tenório’s blog.
EECs 2021 | The worlds from within | Osman
Lins (PE – Brasil) – guest writer Adriano Portela (PE – Brasil).
Quarantine Collection | Patricia Gonçalves Tenório (PE – Brasil) with testimonials from Bernadete Bruto (PE – Brasil), Elba Lins (PB/PE – Brasil) e Raldianny Pereira (PB/PE – Brasil).
Creative Writing in Me | Patricia Gonçalves
Tenório & Flavia Cosma (Romania/Canada), Fernando de Mendonça (SP/PE/SE –
Brasil), Maria do Carmo Nino (PE – Brasil).
Altair Martins’ poem (RS – Brasil).
The yellow note: followed by “On writing – a Montaigne-style essay” | Gustavo Melo Czekster (RS – Brasil).
Fiction & Criticism | Iaranda Barbosa (PE –
Brasil).
The side that was not visible to those on the road | Luís Roberto Amabile (SP/RS – Brasil).
Manuela Bertão (Porto – Portugal) recites.
The continents from within | María Elena Morán (Venezuela / RS – Brasil).
I thank you for your attention and affection, the
next post will be on February 28, 2021, big hug and until then,
Patricia Gonçalves Tenório.
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* Índex foi traduzido (a maior parte) apenas para o inglês por uma questão de extensão do post.
* Index was translated (most of it) into English only as a matter of the extension of the post.
**Uma homenagem aos tão queridos tio Bá (em sua cerimônia de Cinzas, no Jardim do Baobá, Recife, PE – Brasil) e Tarcísio Pereira (grande homem, livreiro, mestre que nos deixou em 26/01/2021). A tribute to the loved ones Uncle Bá (in his Ash ceremony, in Baobab Garden, Recife, PE – Brasil) and Tarcísio Pereira (great man, bookseller, master who left us on 01/26/2021).
Foram aulas maravilhosas investigando a casa, a vida e a obra do escritor pernambucano, nascido em Vitória do Santo Antão, Osman Lins…
Módulo 1 | Aula 1:
Na aula 1 do módulo 1, vimos o nascimento de Osman Lins, a perda da mãe, a mudança para Recife, França, São Paulo – casas que habitou, e o sentimento de opressão nos contos de Os gestos (ao mesmo tempo acolhimento e fuga das casas); a relação entre a literatura e outras artes – Escher (“Relativity” e “Drawing Hands”) e A origem (de Christopher Nolan, com Leonardo Di Caprio, Elen Page); o conceito de possibilidade de Aristóteles (Poética):
Módulo 1 | Aula 2:
Na aula 2 do módulo 1, vimos o conceito do triplo presente de Agostinho de Hipona em suas Confissões; a análise de contos de Os gestos – técnicas que podemos retirar para a nossa própria escrita; a importância das casas dos escritores e artistas:
Módulo 1 | Aula 3:
E o encontro virtual com um dos maiores conhecedores da obra de Osman Lins, o jornalista, cineasta, diretor de teatro, idealizador da Cobogó das Artes, mestre e doutorando em Teoria da Literatura (UFPE), professor e coordenador da especialização Lato Sensu em Escrita Criativa Unicap/PUCRS Adriano Portela:
O próximo módulo será sobre a casa, a vida e a obra do poeta pernambucano, nascido em Recife, Manuel Bandeira, e contaremos com a participação especial do escritor, poeta e professor de Escrita Criativa Altair Martins. As aulas 1 e 2 irão ao ar respectivamente em 03 e 10/02/2021 e o encontro virtual será em 24/02/2021, a partir das 19h – acompanhem nas redes sociais @estudosemescritacriativa (Instagram e Facebook). Não percam!